terça-feira, 5 de setembro de 2017

Prólogo


A ninguém pode maravilhar que o primeiro dos elementos, o fogo, não predomine no livro de um homem de oitenta e tantos anos. Uma rainha, na hora de sua morte, diz que é fogo e ar; eu chego a sentir que sou terra, cansada terra. Sigo, sem dúvida, escrevendo. Que outra sorte me resta, que outra bela sorte me resta? O êxtase de escrever não se mede pelas virtudes ou fraquezas da escritura. Toda obra humana é perecível, afirma Carlyle, mas sua execução não o é.
Não professo nenhuma estética. Cada obra confia a seu escritor a forma que busca: o verso, a prosa, o estilo barroco ou simples. As teorias podem ser admiráveis estímulos (recordemos a Whitman), mesmo assim podem engendrar monstros ou meras peças de museu. Recordemos o monólogo interior de James Joyce ou o sumamente incômodo Polifemo.
No correr dos anos observei que a beleza, como a felicidade, é frequente. Não passa um dia em que não estejamos, por um instante, no paraíso. Não há poeta, por medíocre que seja, que não tenha escrito o melhor verso da literatura, mas também os mais infelizes. A beleza não é privilégio de uns quantos nomes ilustres. Seria muito raro que este livro, que abarca umas quarenta composições, não entesourasse uma só linha secreta, digna de acompanhar-te até o fim.
Neste livro há muitos sonhos. Aclaro que foram dons da noite ou, mais precisamente, do amanhecer, e não ficções deliberadas. Apenas me atrevi a agregar um ou outro rasgo circunstancial, dos que exige nosso tempo, a partir de Defoe.
Dito este prólogo em uma de minhas pátrias, Genebra.
9 de janeiro de 1985.
Jorge Luis Borges, in Os conjurados

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