terça-feira, 5 de setembro de 2017

O amor das formigas


O amor das formigas, você já observou o amor das formigas? — perguntou Otávio a Isadora. Não, Isadora nunca observara o amor das formigas. — Nem eu — confessou Otávio. — Aliás, nunca ninguém observou o amor das formigas — sentenciou. — Mas os entomologistas… — ponderou Isadora. — Os entomologistas pensam que observaram — retrucou Otávio —, mas as formigas são muito discretas. Não são como os homens e as mulheres, que amam em público.
A conversa continuava nessa trilha de formiga, em zigue-zague, quando a formiga apareceu na ponta da toalha de mesa e foi subindo. Outra formiga veio em seguida. As duas caminharam às tontas, depois juntaram as cabecinhas num movimento elétrico, e se afastaram, cada uma para o seu lado.
Você acha que elas se amaram? — perguntou Isadora. — De modo algum — respondeu Otávio. — Trocaram sinais de serviço, apenas. E daí, querida, ninguém ama com a cabeça, é exatamente o contrário: cabeça atrapalha. — Pois eu acho o contrário do contrário — disse Isadora. — As formigas podem ser mais evoluídas do que nós, e amar acima do coração, de um modo perfeito.
Mas a conversa não conduziu a nada, e os dois tomaram chá.
Carlos Drummond de Andrade, in Contos plausíveis

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