Juro,
acredite em mim – a sala de visitas estava escura – mas a música
chamou para o centro da sala – uma coisa estava acordada ali – a
sala se escureceu toda dentro da escuridão – eu estava nas trevas
– senti que por mais escura a sala era clara – agasalhei-me no
medo – como já agasalhei de ti em ti mesmo – que foi que
encontrei? – nada senão que a sala escura enchia-se de uma
claridade que não iluminava – e que eu tremia no centro dessa
difícil luz – acredita em mim embora seja difícil explicar –
sou alguma coisa perfeita e graciosa – como se eu nunca vira uma
flor – e com medo pensei que aquela flor é a alma de quem acabara
de morrer – e eu olhava aquele centro iluminado que se movia e se
deslocava– e a flor me impressionava como se houvesse uma abelha
perigosa rondando a flor – uma abelha gelada de pavor – diante da
irrespirável graça desse bruxuleio que era a flor – e a flor
ficava depois gelada de pavor diante da abelha que era muito doce das
flores que ela no escuro chupava – acredita em mim que não entendo
– um rito fatal se cumpria – a sala estava cheia de um sorriso
penetrante – tratava-se apenas de um esbranquiçar das trevas –
não ficou nenhuma prova – nada te posso garantir – eu sou a
única prova de mim – e assim te explico o que os outros não
entendem e me põe no hospital – não entendo que se possa ter medo
de uma rosa – experimentaram com violetas que eram mais delicadas –
mas tive medo – tinha cheiro de flor de cemitério – e as flores
e as abelhas já me chamam – não sei como não ir – na verdade
eu quero ir – não lamente a minha morte – já sei o que vou
fazer e aqui mesmo no hospital – não será suicídio, meu amor,
amo demais a vida e por isso nunca me suicidaria, vou mas é ser a
claridade móvel, sentir o gosto de mel se eu for designada para ser
abelha.
Clarice
Lispector, in A descoberta do mundo
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