Verdade
ou mentira, o que eu vou contar aqui é meio esquisito e merece ser
lido com alguma atenção. (Por precaução, vale ficar perto do
telefone e não custa nada se certificar de que a porta está
trancada.)
Por
mais impressionante que seja a história, procure controlar os
nervos.
Prepare-se
como lhe parecer melhor. (Uma boa companhia, uma música de fundo e
uma luz indireta sempre ajudam.)
Prometo
manter-me imparcial e evitar aumentativos. Narrarei aqui tão somente
o que me foi contado, tentando, dentro do possível, driblar a
poesia.
Tudo
pronto? Então lá vai.
Houve
uma mulher que amou um amor de verdade.
Por
mais estranho que pareça, foi isso o que me contaram exatamente.
Um
dia ela conheceu um homem, então descobriu que seu amanhecer já não
era o mesmo. Os dois trocaram juras eternas, e, o que é mais
fantástico ainda, essa mulher, pelo que consta, amou mesmo esse
homem, só ele, muito e sempre.
Parece
que ele não era especialmente bonito, rico nem inteligente, era boa
gente apenas e (segundo fontes seguras) tinha um sorriso engraçado.
Ela
também era uma pessoa normal (pelo menos aparentemente), e só
apresentou esse comportamento estapafúrdio em toda a sua vida.
Os
motivos que levaram essa mulher a amar tanto o tal homem, de forma
tão descabida e excessiva, nunca ficaram provados.
Primeiro
levantaram a hipótese de um surto de loucura passageiro. (Um
atestado de insanidade resolveria a questão sem a necessidade de uma
análise mais apurada.) Não era.
Cogitaram,
então, a influência de algum agente externo. (Drogas? Chá de
catuaba? Superexposição à ação de livros de romance? Overdose de
filme?) Nada.
Alguém
sugeriu um componente genético. (A mãe dela, sua avó, sua bisavó
e sua tataravó também tiveram um só homem a vida inteira.) Logo
lembraram que, naquele tempo, as pessoas ficarem juntas por toda a
vida não era uma prova de amor contundente, e assim foi descartada a
possibilidade.
Uma
menina chegou a deduzir que ela só podia ser a Cinderela, mas não
foi difícil provar o contrário, e as investigações foram
reiniciadas.
O
fato foi tomando proporções maiores, à medida que o tempo passava,
e o amor daquela mulher não diminuía.
Psiquiatras,
sociólogos e sexólogos chegavam, vindos do mundo inteiro,
interessados no caso. (Seria um vírus desconhecido? Uma bactéria
fabricada em laboratório? Um ato terrorista? Uma alucinação
coletiva? Um novo tipo de gripe? Algo místico?)
Um
numerólogo garantiu que tudo aconteceu porque ela conheceu o seu
amado no dia 5 do 9 às 4 horas, noves fora zero.
Houve
quem apostasse que aquele amor todo era mentira da mulher, com a
clara intenção de aparecer na mídia.
Pelo
sim, pelo não, foi convocado um congresso internacional sobre
paixão, com a presença de competentes profissionais apaixonados
pelo tema.
Wilhelm
Gertkurt, renomado cientista alemão especialista em “paixões
duradouras nos trópicos”, depois de examinar detalhadamente os
sintomas: beijos, batimento cardíaco, beijos, admiração, beijos,
felicidade, beijos, abraços, beijos etc., deu o diagnóstico: era
amor mesmo. Não havia dúvida.
Valia
a pena procurar as autoridades e os poetas para notificar o caso.
A
mulher foi ficando meio assustada com aquela agonia de gente e
flashes de repórter, confere daqui, examina de lá, até que acabou
fugindo, coitada. Aquilo já estava impossível.
O
homem ficou muito triste, é óbvio, de perder um amor assim tão
interessante.
Há
quem garanta que até hoje ele passa o dia bebendo na esquina e chora
constantemente.
Dela,
nunca mais se teve notícia. Possivelmente se autoexilou em algum
lugar ignorado.
Está
vendo só que perigo?
Existe
uma mulher capaz de amar de verdade solta por aí e você nem sabia.
Adriana
Falcão, in O doido da garrafa
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