A
liberdade é a possibilidade do isolamento. És livre se podes
afastar-te dos homens, sem que te obrigue a procurá-los a
necessidade do dinheiro, ou a necessidade gregária, ou o amor, ou a
glória, ou a curiosidade, que no silêncio e na solidão não podem
ter alimento. Se te é impossível viver só, nasceste escravo. Podes
ter todas as grandezas do espírito, todas da alma: és um escravo
nobre, ou um servo inteligente: não és livre.
E não está
contigo a tragédia, porque a tragédia de nasceres assim não é
contigo, mas do Destino para si somente. Ai de ti, porém, se a
opressão da vida, ela própria, te força a seres escravo. Ai de ti,
se, tendo nascido liberto, capaz de te bastares e de te separares, a
penúria te força a conviveres. Essa sim, é a tua tragédia, e a
que trazes contigo.
Nascer
liberto é a maior grandeza do homem, o que faz o ermitão humilde
superior aos reis, e aos deuses mesmo, que se bastam pela força, mas
não pelo desprezo dela.
Fernando
Pessoa, in
Livro do Desassossego
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