Muito
antes de o homem estar maduro para ser confrontado com uma atitude
moral universal, o medo dos perigos da vida levaram-no a atribuir a
vários seres imaginários, não palpáveis fisicamente, o poder de
libertar as forças naturais que temia ou talvez desejasse. E ele
acreditava que esses seres, que dominavam toda a sua imaginação,
eram feitos fisicamente à sua imagem, mas eram dotados de poderes
sobre-humanos. Estes foram os precursores primitivos da ideia de
Deus. Nascidos inicialmente dos medos que enchiam a vida diária dos
homens, a crença na existência de tais seres, e nos seus poderes
extraordinários, teve uma influência tão forte nos homens e na sua
conduta que é difícil de imaginar por nós. Por isso, não
surpreende que aqueles que se empenharam em estabelecer a ideia de
moral, abarcando igualmente todos os homens, o tenham feito
associando-a intimamente à religião. E o fato de estas pretensões
morais serem as mesmas para todos os homens pode ter tido muito a ver
com o desenvolvimento da cultura religiosa da espécie humana desde o
politeísmo até ao monoteísmo.
A
ideia de moral universal deve, assim, a sua potência psicológica
original àquela ligação com a religião. No entanto, noutro
sentido, esta associação íntima foi fatal à ideia de moral. A
religião monoteísta adquiriu formas diferentes com várias pessoas
e grupos. Apesar de essas diferenças não serem de forma alguma
fundamentais, passaram rapidamente a ser sentidas mais fortemente do
que a essência, que era comum. E, dessa forma, a religião provocou
frequentemente inimizade e conflito, em vez de unir conjuntamente a
espécie humana numa ideia de moral universal.
Então
surgiu o crescimento das ciências naturais, com a sua grande
influência no pensamento e na vida prática, enfraquecendo ainda
mais, nos tempos modernos, os sentimentos religiosos das pessoas. O
modo causal e objetivo de pensar — apesar de não estar
necessariamente em contradição com a esfera religiosa — deixa na
maioria das pessoas pouco espaço para um aprofundamento do sentido
religioso. E, por causa da tradicional associação íntima entre
religião e moral, isso trouxe consigo, nos últimos cem anos, mais
ou menos, um enfraquecimento sério do sentimento e pensamento moral.
Esta é, quanto a mim, a causa principal da crescente barbaridade dos
meios políticos dos nossos dias. Considerada conjuntamente com a
terrível eficiência dos novos meios técnicos, a barbárie
representa já uma ameaça temível para o mundo civilizado.
É
escusado dizer que estamos gratos pelo facto de a religião lutar
arduamente pela realização do princípio moral. No entanto, o
imperativo moral não é um assunto apenas para a igreja e a para
religião, sendo sim a mais preciosa possessão tradicional de toda a
espécie humana. Consideremos sob este ponto de vista a posição da
imprensa ou das escolas com o seu método competitivo! Tudo é
dominado pelo culto da eficácia e do sucesso, e não pelo valor das
coisas e do homem em relação aos fins morais da sociedade humana. A
isto deve ser acrescentada a deterioração moral resultante da dura
luta econômica. A criação deliberada do sentido moral fora da
esfera religiosa deve, todavia, ajudar este propósito, levar os
homens a encararem os problemas sociais como uma oportunidade para
desempenharem um serviço jubiloso em prol de uma vida melhor. Porque
analisada sob um ponto de vista humano simples, a conduta moral não
significa apenas uma rígida exigência de renúncia de algumas das
desejadas alegrias da vida, mas, pelo contrário, um interesse
sociável pelo bem comum para todos os homens (...) A moralidade no
sentido aqui rapidamente explicado não é um sistema fixo e rígido.
É, sim, uma posição segundo a qual todas as questões que ocorrem
na vida podem e devem ser julgadas. É uma tarefa nunca terminada,
algo sempre presente para guiar o nosso julgamento e inspirar a nossa
conduta.
Albert
Einstein, in
Discurso (1938)
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