Espinosa,
em seu Tractatus theologico-politicus, de 1650 (denunciado
pela Igreja Católica Romana como obra “forjada no inferno por um
judeu renegado e pelo diabo”), já observara:
“Acontece
com frequência que em livros diferentes lemos histórias em si
mesmas semelhantes, mas que julgamos de forma muito diferente,
segundo as opiniões que formamos sobre os autores. Lembro de ter
lido certa vez em algum livro que um homem chamado Orlando Furioso
costumava montar uma espécie de monstro alado pelos ares, voar sobre
qualquer terra que quisesse, matar sem ajuda um vasto número de
homens e gigantes e outras fantasias desse tipo, as quais, do ponto
de vista da razão, são obviamente absurdas. Li uma história muito
parecida em Ovídio, sobre Perseu, e também no livro dos Juízes e
Reis, sobre Sansão, que sozinho e desarmado matou milhares de
homens, e sobre Elias, que voou pelo ar e foi finalmente ao céu, num
carro de fogo com cavalos ígneos. Todas essas histórias são
obviamente parecidas, mas julgamo-las de modo muito diferente. A
primeira buscava divertir, a segunda tinha um objetivo político, a
terceira, um motivo religioso”.
Alberto
Manguel, in História da leitura
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