Está
o Poeta no seu camarim, passeando e falando consigo mesmo, antes de
compor o livro
Tornai-me
a aparecer, entes imaginários,
que
me enchíeis outrora os olhos visionários!
Poder-vos-ei
fixar?... Tenho inda coração
capaz
de se render à vossa sedução?...
Chegam...
que densa turba! Envolve-me... Não posso
furtar-me
ao seu triunfo. Eis-me, Visões, sou vosso.
Vai-se-me
em névoa o mundo. Emanações subtis
que
exalais, vem tornar-me aos anos juvenis.
Que
imagens que trazeis de dias tão risonhos!...
Caras
sombras! sois vós? aéreas como em sonhos?
Como
recordação de lenda já perdida,
volve
o amor, a amizade, e reassumem vida;
torna
a dor a doer. Oh vida! oh labirinto!
de
novo o mesmo sois. Já renascer me sinto.
Cá
’stão os bons d’outrora, entes que já gozaram
horas
de oiro, e também... como elas se escoaram.
Não
me hão-de ouvir agora os mesmos, bem o sei,
para
quem noutro tempo os versos meus cantei.
Sumiu-se,
aniquilou-se aquela amiga turba,
que
nem com som mortiço os ecos já perturba.
Vibra
meu canto agora a ignota multidão,
cujo
aplauso, ai de mim! me aperta o coração;
e
os a quem meu cantar outrora foi jucundo,
erram, se inda alguns há,
dispersos pelo mundo.
Ai,
plácida mansão, de espíritos morada!
revive
na saudade, há tanto descorada!
Começa
em vagos sons meu estro a palpitar,
qual
de uma harpa eólia o triste delirar...
Já
sinto estremeções; o pranto segue ao pranto,
e
o duro coração se abranda por encanto.
O
que foi, torna a ser. O que é, perde existência.
O
palpável é nada. O nada assume essência.
Goethe,
in Fausto (tradução de
António Feliciano de Castilho)
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