terça-feira, 18 de outubro de 2016

Primeiras lições do pudor

Eu não queria aquele cabelo cuia, cortado por minha mãe, lá no quintal de casa. Queria um cabelo curto, espetadinho em cima, ou que subisse num leve topete e depois fosse para trás, como o dos heróis nos filmes americanos.
Eu não queria aquela sacola de palha na qual carregava meu material escolar e os últimos eflúvios das aspirações hippies dos meus pais. Preferia uma mochila emborrachada, com as da maioria dos meus colegas.
Àquela altura, contudo, não percebia que o cabelo e a mochila eram contingências perfeitamente contornáveis, bastaria pedir para cortá-lo ou para trocá-la: eu era com aquele cabelo, eu era com aquela sacola.
Antonio Prata, in Nu, de botas

Nenhum comentário:

Postar um comentário