quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Os três

Já não se veste de capitã, não dispara pistolas, nem monta a cavalo. Não caminham as pernas e o corpo inteiro transborda em gorduras; mas ocupa sua cadeira de inválida como se fosse um trono e descasca laranjas e goiabas com as mãos mais belas do mundo.
Rodeada de cântaros de barro, Manuela Sáenz reina na penumbra do portal de sua casa. Mais além, se abre, entre morros da cor da morte, a baía de Paita. Desterrada nesse porto peruano, Manuela vive de preparar doces e conservas de frutas. Os navios param para comprar. Gozam de grande fama, nessa costa, seus manjares. Por uma colheradinha, suspiram os mestres das baleeiras.
Ao cair da noite, Manuela se diverte jogando restos aos cães vagabundos, que ela batizou com nomes dos generais que foram desleais a Bolívar. Enquanto Santander, Páez, Córdoba, Lamar e Santa Cruz disputam os ossos, ela acende seu rosto de lua, cobre com o leque a boca sem dentes e começa a rir. Ri com o corpo inteiro e os muitos bordados esvoaçantes.
Do povoado de Amotape vem, às vezes, um velho amigo. O andarilho Simón Rodríguez senta-se em uma cadeira de balanço, junto a Manuela, e os dois fumam e conversam e se calam. As pessoas que Bolívar mais quis, o mestre e a amante, mudam de assunto se o nome do herói escorrega para a conversa.
Quando dom Simón vai-se embora, Manuela pede que lhe passem o cofre de prata. Abre o cofre com a chave escondida no peito e acaricia as muitas cartas que Bolívar tinha escrito à única mulher, papéis gastos que ainda dizem: Quero ver-te e rever-te e tocar-te e sentir-te e saborear-te... Então pede o espelho e se penteia longa e calmamente, para que ele venha visitá-la em sonhos.
Eduardo Galeano, in Mulheres

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