A
leitura deu-me uma desculpa para a privacidade, ou talvez tenha dado
um sentido à privacidade que me foi imposta, uma vez que durante a
infância, depois que voltamos para a Argentina, em 1955, vivi
separado do resto da família, cuidado por uma babá numa seção
separada da casa. Então, meu lugar favorito de leitura era o chão
do meu quarto, deitado de barriga para baixo, pés enganchados sob
uma cadeira. Depois, tarde da noite, minha cama tornou-se o lugar
mais seguro e resguardado para ler naquela região nebulosa entre a
vigília e o sono. Não me lembro de jamais ter me sentido sozinho.
Na verdade, nas raras ocasiões em que encontrava outras crianças,
achava suas brincadeiras e conversas menos interessantes do que as
aventuras e diálogos que lia em meus livros, O psicólogo James Hil
Man afirma que a pessoa que leu histórias ou para quem leram
histórias na infância “está em melhores condições e tem um
prognóstico melhor do que primeiras leituras tornam-se algo vivido e
por meio do qual se vive, um modo que a alma tem de se encontrar na
vida”? A essas leituras, e por esse motivo, voltei repetidamente, e
ainda volto.
Como
meu pai era diplomata, viajávamos muito. Os livros davam-me um lar
permanente, e um lar que eu podia habitar exatamente como queria, a
qualquer momento, por mais estranho que fosse o quarto em que tivesse
de dormir ou por mais ininteligíveis que fossem as vozes do lado de
fora da minha porta. Muitas vezes, à noite, eu acendia a lâmpada de
cabeceira e, enquanto a babá trabalhava em sua máquina de costura
elétrica ou dormia roncando na cama ao lado, tentava chegar ao fim
do livro que estava lendo e, ao mesmo tempo, retardar o fim o mais
possível, voltando algumas páginas, procurando um trecho de que
gostara, verificando detalhes que achava terem me escapado.
Alberto
Manguel, in
História da leitura
Nenhum comentário:
Postar um comentário