quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Juana Sánchez

O devastador Melgarejo caiu. Fugiu da Bolívia, perseguido a pedradas pelos índios, e vive mal em seu exílio num quartinho nos subúrbios de Lima. Do poder, não lhe sobra mais que o poncho cor de sangue. Seu cavalo, Holofernes, foi morto pelos índios, que cortaram suas orelhas.
Passa as noites uivando na frente da casa dos Sánchez. O lúgubre vozeirão de Melgarejo faz tremer Lima.
Juana não abre a porta. Juana tinha dezoito anos quando chegou ao palácio. Melgarejo trancou-se com ela três dias e três noites. Os guardas da escolta escutaram gritos, golpes, suspiros, gemidos, nenhuma palavra. Ao quarto dia, Melgarejo emergiu:
Gosto dela tanto quanto do meu exército!
A mesa dos banquetes converteu-se em altar. Ao centro, entre círios, Juana reinava nua. Ministros, bispos e generais rendiam homenagem à bela e caíam de joelho quando Melgarejo alçava uma taça de conhaque em chamas e cantava versos de devoção. Ela, de pé, de mármore, sem outra roupa que seus cabelos, desviava o olhar.
E calava. Juana calava. Quando Melgarejo saía em campanha militar, deixava-a trancada num convento de La Paz. Voltava ao palácio com ela nos braços e ela calava, mulher virgem cada noite, cada noite nascida para ele. Nada disse Juana quando Melgarejo arrancou dos índios as terras das comunidades e deu de presente oitenta propriedades e uma província inteira para a família dela.
Também agora cala Juana. Trancada com pedra e cal a porta de sua mansão em Lima, ela não se mostra nem responde aos desesperados rugidos de Melgarejo. Nem sequer lhe diz:
Nunca me tiveste. Eu não estava ali.
Chora e berra Melgarejo, seus punhos como trovões contra a porta. Nesse umbral, gritando o nome dessa mulher, morre em 1871, com dois tiros.
Eduardo Galeano, in Mulheres

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