A
terra sempre será a mesma – só as cidades e a história vão
mudar, mesmo nações vão mudar, governos e governantes vão acabar,
as coisas feitas pelas mãos do homem vão acabar, os prédios sempre
vão cair – só a terra vai permanecer a mesma, sempre haverá
homens na terra pela manhã, sempre haverá coisas feitas pela mão
de Deus – e toda essa história de cidades e congressos agora vai
embora, toda a história moderna é apenas uma Babilônia reluzente
soltando fumaça ao sol, atrasando o dia em que os homens outra vez
terão de voltar à terra, para a terra da vida e de Deus –
–
Pergunte
ao índio americano que mora na terra verde que cresceu nos telhados
maias – James Joyce disse – “A História é um pesadelo do qual
ainda não acordei.” 10 Mas ela está acordada, agora, isso é tão
certo quanto a luz do sol.
Vivemos
no mundo que vemos, mas só acreditamos no mundo que não vemos. Quem
já acreditou no mundo e morreu com seu nome nos lábios? Quem já
disse, no momento de morrer, “Acredito
no futuro desta tolice, que a banalidade, esta irrelevância – vai
viver para sempre!” Quem morreu sem pensar nas primeiras e últimas
coisas, no alfa e ômega da vida na terra?
Viemos
a esta terra e não sabemos o que devemos fazer, e em grande desordem
e confusão, gritamos no fundo de nossas almas – “Deve ser
verdade, pois eu mesmo sou verdade! Verdade! Mas tudo é falso e tolo
à nossa volta, e nós mesmos somos os mais falsos e mais tolos, e,
oh, o que devemos fazer? Que enorme desordem surge, e onde nós
estamos nela? –
Finalmente não sentimos que somos verdadeiros. Sentimos que somos
completamente falsos. Mas em breve vou escrever um trabalho
intitulado “Razões estranhas para o fim da pena capital e por que
os homens não devem mais cometer suicídio”, no qual vou mostrar
que não importa o que tenha sido feito ao homem, ele não deve ser
destruído ou destruir a si mesmo, porque em toda a desordem e ruína
horripilante do mundo e da imaginação humana, ainda há vida e a
possibilidade de redenção através do mero vislumbre da terra,
através da admiração, o mais abjeto tipo de admiração se
arrastando por uma rua, e nisso a coisa inteira pode ser redimida, e,
FINALMENTE, verdade!
Isso é tão execrável. Um assassino merece a chance de se
arrepender – o suicida deve dar a si mesmo a oportunidade de
maravilhar-se outra vez, de se ver outra vez. Está tudo aqui –
porque aqui está o mais importante: se um morto pudesse voltar à
terra para viver outra vez entre os homens, por um dia – o que quer
que essa alma visse
e pensasse,
agora é para nós, os vivos, a única verdade, o sentimento mais
central possível para um homem, o mais profundo. (E eu sempre me
pergunto: – esse homem ressuscitado perderia algum tempo
contemplando o bem e o mal deste mundo? Ou ele apenas banquetearia os
olhos de sua alma em um olhar faminto para a vida, para a realidade
da vida na terra, a coisa em si: criancinhas, homens, mulheres,
aldeias, cidades, estações e mares! Um enigma! Um enigma!)
Maldito
aquele que pensa e pensa mas nunca está feliz em seus pensamentos,
que nunca pode dizer – “Aqui estou eu, pensando”.
Não é divertido, não é brincadeira, esse meu pensar eterno, que
dura boas doze horas por dia. Por que eu faço isso? É uma forma de
meditação, eu na verdade pareço um maluco o dia inteiro. E como
minha mãe se acostumou a isso! Acho que se eu não ficasse em casa
meditando, ela teria certeza de que as engrenagens do universo tinham
parado de girar. E em que penso? Que pensamentos tenho? – Que
pensamentos! Uma grande hoste, multidão e mundo de pensamentos,
continuo arquitetando outros e trabalhando outra vez nos velhos,
alguns dos antigos estão concluídos e só são pensados como
conclusões, mundos inteiros de novos chegam arrebentando meus
sentimentos, e isso nunca termina. Por que penso? É minha vida, bem
aí. É por isso que preciso ficar sozinho e pensando seis dias da
semana, porque é minha vida. O que esses pensamentos vão me dar? –
Eles não são deste mundo. Eu mesmo não sei o que
eles são.
Jack
Keourac, in Diários
de Jack Keourac
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