sábado, 20 de fevereiro de 2016

Haicai

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Yukio Mishima fez esta sessão de fotos em que simula o harakiri que, posteriormente, executou.

Yukio Mishima, escritor japonês duas vezes indicado para o Prêmio Nobel de Literatura, no dia 26 de novembro de 1970 pôs fim à própria vida cometendo seppuku. O seppuku é um suicídio ritual ligado à tradição dos guerreiros samurai.
No seu livro Shogun, James Clavell descreve as regras que o regem. O guerreiro se veste com vestes sagradas, assenta-se com pernas cruzadas e, com um punhal, abre vagarosamente o seu ventre de lado a lado. Nesse momento, ele se curva para a frente e o seu melhor amigo põe fim à dor com um golpe de espada que separa cabeça do corpo.
Clavell conta que parte do ritual era o guerreiro escrever um haicai, o seu último haicai. Um haicai é um minúsculo poema que pinta a epifania de um instante. Miniatura. Veja esse levíssimo haicai de Bashô: “Essas pimentas; acrescentai-lhes asas e serão libélulas...”. Quem lê esse haicai alegre nunca mais verá as pimentas na pimenteira da forma como via. Esperará que elas se transformem em libélulas...
Leminski se deu conta de que o tamanho de um haicai é enganoso. Haicais são miniaturas de peso insuportável... De fato, menores não podem ser. Três versos. No japonês, o primeiro tem cinco sílabas. O segundo tem sete. E o terceiro tem cinco. Tudo o que é para ser dito tem de ser dito com dezessete sílabas somente. Poucas sílabas para dizer a essência de uma vida. Têm de ser palavras essenciais. Aquele que vai morrer deve escolhê-las depois de profunda meditação.
É preciso separá-las das 10 mil palavras que nos distraem. Porque essas poucas palavras serão o que restou, a mínima presença de peso insuportável daquele que se foi. Camus relata a tragédia de um moribundo que, na hora de dizer suas últimas palavras, se deu conta de que as havia esquecido.
Rubem Alves, in Do universo à jabuticaba

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