Estou
de boa na última cadeira do ônibus. Cheio de currículos na mochila
e um sanduíche de queijo com presunto e carne moída pra aguentar o
dia. Escritor desempregado é foda. Confunde fome com lirismo. Minha
cara indígena sendo lambida pela brisa. A cabeça vazia sem pensar
em nada. Gosto de ficar zerado. Às vezes fico obcecado por imagens,
frases e personagens falando coisas bonitas. Coisas que podem
enlouquecer. Procrastino a vida com versos desde que me entendo por
gente, mas uma hora a geladeira fica vazia e a literatura pesa. Olho
as ruas e vejo bêbados voltando para suas casas, automóveis
buzinando, flanelinhas e cães revirando lixo. Manaus é um filme
chato e decadente. Quentin Tarantino morreria de tédio por aqui.
Tusso, tusso, inspiro o catarro de 2015 e cuspo com força pela
janela e uma mulher à minha frente puxa o celular da bolsa e diz pra
algum miserável perdido na cidade: “Marivaldo, ontem foi
maravilhoso, mas quero que saia da minha casa. Não gosto de homem
que só bebe e quer mandar em mim” ela guarda o celular e passa
batom nos lábios se olhando num espelhinho. O telefone toca
novamente. Agora parece ser uma amiga: “mandei o traste embora.
Agora quem canta de galo no terreiro sou eu.” E solta gargalhadas
mostrando os dentes alinhadinhos. Levanta seu belo rabo e desce na
parada do Amazonas Shopping. Olho meu currículo de uma página e
penso: “A vida podia ser pior. Eu podia ser o mané do Marivaldo
que além de bêbado, acaba de ser dispensado pela morena mais
gostosa do mês”.
Diego
Moraes, in
ursocongelado.tumblr.com
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