“Você
não sabe que está em coma. Se tivesse morrido, não teria sabido.
Quando voltei, soube que havia ficado em coma sessenta e nove dias.
Viver, para mim, é um espanto muito grande. Depois desse período,
fiquei muito espantado com a vida. Nascer é um ato extremamente
arbitrário. Não fui consultado se queria nascer e isso me pesa
muito. Ninguém me perguntou se eu queria nascer, depois não escolhi
nem mãe nem pai. Não escolhi o país, nem o idioma que queria
falar, nem a cor que queria ter. Ninguém me perguntou nada. É um
dos fatos mais arbitrários do mundo. Escrevo neste livro (Vermelho amargo) que a
dor do parto é também de quem nasce. Outra coisa arbitrária é
morrer, porque você não pediu para nascer. E quando vê a luz do
mundo, a cor, a alegria do mundo, alguém fala que você vai morrer.
Morrer é outra coisa arbitrária. Saber que é uma experiência
individual. Só posso nascer do meu parto e só posso morrer da minha
morte. Por mais que ame o outro, são coisas que não posso fazer no
lugar dele. Não poder morrer no lugar de ninguém é uma coisa tão
arbitrária. Uma educação que não trabalha com isso passa ao
largo. Perde o cuidado com a vida. A educação que não tem esse
cuidado, que nascer é ganhar o abandono. Nascer é ser expulso do
paraíso, é andar com a própria perna, é falar com a própria
boca, é ouvir com o próprio ouvido. Nascer é o abandono e é isso
que nos faz ter compaixão pelo outro. A compaixão surge com a
consciência desse abandono, com o medo da morte. É aí que criamos
uma paixão pelo outro. Essa compaixão surge dessa nossa
fragilidade, que é absoluta. E nós não falamos mais nisso. A
literatura para criança, às vezes, não fala disso. Tenho um livro
— Até passarinho passa —
que fala da morte. A morte nos espanta tanto que não queremos nem
pensar. Mas é o que nos segura.”
Bartolomeu
Campos de Queirós,
in Palestra no Teatro do Paiol, Curitiba – PR
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