“Finalmente,
alguns cogitaram que a gravidade do pecado participasse da medida dos
delitos. A falácia dessa opinião saltará aos olhos de um
examinador imparcial das verdadeiras relações entre os homens e
entre estes e Deus. As primeiras são relações de igualdade. A
necessidade, e ela só, fez nascer do choque das paixões e da
oposição dos interesses a ideia da utilidade
comum,
que é a base da justiça humana; as últimas são relações de
dependência de um Ser perfeito e criador, que reservou a si só o
direito de legislar e julgar ao mesmo tempo, pois só Ele pode
fazê-lo sem inconveniente. Se estabeleceu penas eternas para quem
desobedecer à Sua onipotência, qual será o inseto que ousará
suprir a justiça divina, querendo vingar o Ser que basta a si mesmo
e que não pode receber dos objetos nenhuma impressão de prazer ou
de dor, e que, único entre todos os seres, age sem reação? A
gravidade do pecado depende da imperscrutável malícia do coração,
a qual não pode ser conhecida por seres finitos, sem uma revelação.
Como, pois, poderia essa malícia constituir-se em norma para a
punição dos delitos? Nesse, caso, poderiam os homens punir quando
Deus perdoa, e perdoar quando Deus pune. Se os homens podem estar em
contradição com o Onipotente ao ofendê-lo, podem também
contradizê-lo ao punir.”
Cesare
Beccaria,
in Dos
delitos e das penas
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