“Às vezes, olhando um instantâneo tirado na praia
ou numa festa, percebia com leve apreensão irônica o que aquele rosto
sorridente e escurecido me revelava: um silêncio. Um silêncio e um destino que
me escapavam, eu, fragmento hieroglífico de um império morto ou vivo. Ao olhar
o retrato eu via o mistério. Não. Vou perder o resto do medo do mau-gosto, vou
começar meu exercício de coragem, viver não é coragem, saber que se vive é a
coragem - e vou dizer que na minha fotografia eu via O Mistério. A surpresa me tomava
de leve, só agora estou sabendo que era uma surpresa o que me tomava: é que nos
olhos sorridentes havia um silêncio como só vi em lagos, e como só ouvi no
silêncio mesmo.
Nunca, então,
havia eu de pensar que um dia iria de encontro a este silêncio. Ao
estilhaçamento do silêncio. Olhava de relance o rosto fotografado e, por um
segundo, naquele rosto inexpressivo o mundo me olhava de volta também
inexpressivo. Este - apenas esse - foi o meu maior contato comigo mesma? o
maior aprofundamento mudo a que cheguei, minha ligação mais cega e direta com o
mundo. O resto - o resto eram sempre as organizações de mim mesma, agora sei,
ah, agora eu sei. O resto era o modo como pouco a pouco eu havia me
transformado na pessoa que tem o meu nome. E acabei sendo o meu nome”.
Clarice
Lispector, in A paixão segundo G.H.
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