terça-feira, 2 de julho de 2013

Escrevo lambuzada pelo meu tempo

Eliane Brum lança "A menina quebrada" na Livraria Cultura

Desde 2009, quando iniciou uma coluna semanal no site da revista Época, a jornalista Eliane Brum viu seus textos serem comentados, compartilhados e retuitados pela internet, espalhando-se nas redes sociais. “O leitor tem a possibilidade de continuar escrevendo a partir de sua própria visão”, diz, num tom de voz baixo e calmo, como lhe parece ser característico. Na última terça-feira, 18 de junho, ela lançou seu quinto livro, A menina quebrada (Arquipélago Editorial), um compilado dos textos publicados na coluna entre junho de 2009 e janeiro de 2013.
A morte de Aaron Swartz, a busca pela escrivaninha perfeita, a situação dos Guarani-Kaiowá, a afilhada que se assustou com a menina de perna engessada. Mundo real e universo particular se encontram nas páginas do livro, que, segundo Eliane, pretende ser “um pequeno retrato histórico do tempo em que estamos vivendo” – ainda que, por vezes, ela  possa tratar de sua realidade interna.
Vencedora de mais de 40 prêmios jornalísticos nacionais e internacionais, Eliane Brum conversou com o site da revista CULT a respeito da nova obra.

Você afirma ser uma repórter de desacontecimentos. O que te atrai na vida comum, no cotidiano das pessoas que não saem no jornal?
Acho que cada um de nós, que é um contador de histórias, parte de uma pergunta. Eu tenho uma grande pergunta que me move: como cada um dá sentido para sua vida? A vida é caos, a vida não tem sentido nenhum, e o que eu acho fascinante é como cada um cria sentido para a sua vida, em geral com muito pouco. É isso que me move. Acreditar que a vida comum é banal ou desinteressante, é uma cegueira, nos faz cegos tanto com relação à vida do outro, como à nossa própria vida. O trabalho do jornalista é resistir a esse olhar. É olhar essas camadas de banalidade e enxergar mais do que isso. O ato de determinar o que é pauta e o que é notícia, não é algo que está dado – é um embate constante no campo da história. Quando você diz que isso é notícia e aquilo não é, que isso é importante e aquilo não é, deixa de fora a vida da maior parte dos homens e das mulheres que constroem o país e a sua comunidade     cotidianamente. É dizer que a vida deles não é importante. Construir a história e não ser contado na história tem um efeito devastador sobre a vida humana. Isso é o que a gente não pode fazer. Por isso eu faço uma escolha, que é uma escolha também política, de contar a extraordinária vida comum, de mostrar o quanto as pequenas coisas – o que eu chamo de desacontecimentos, até como uma provocação – são fascinantes. A vida é construída por esses fragmentos.

Você começou a carreira em 1988, quando a internet ainda não existia nem como um sonho. De lá pra cá, o que mudou? De que forma a internet ajuda e de que forma ela atrapalha o trabalho do jornalista?
Ela só ajuda. A reportagem não muda com a internet, ela continua sendo feita da mesma maneira, que é na rua – e hoje, tanto na rua virtual como na rua real. Você tem que estar nesses dois lugares que, em algum momento, viram um só. A reportagem continua sendo feita na rua e a internet dá outras possibilidades. Se pensarmos nesse momento que estamos vivendo, dessas grandes manifestações, esses protestos, temos uma mudança muito fascinante, muito rica também para a reportagem. Temos muito mais narradores contando aquilo que você não vê. As pessoas que estavam no protesto de quinta-feira, 13 de junho, em São Paulo, estavam narrando suas experiências. Só que o nosso trabalho de repórter não acaba na narração – que é muito rica pra nos ajudar a entender esse momento que vamos contar –, mas é um ponto de partida. Nela, tem o governador fazendo uma narrativa, várias pessoas diferentes partindo de lugares diferentes, de experiências, de mundos e de anseios diferentes, fazendo as suas narrativas. Isso é mais um instrumento pra ampliar o nosso mundo. A função do jornalista é documentar a história em movimento e é com essa responsabilidade que fazemos nosso trabalho. Nesse sentido, essa ampliação de narradores que a internet permite através de várias maneiras, essa horizontalização, é muito rica pra que a história que a gente está contando seja cada vez mais cheia de nuances e de contraditórios. A internet nos deu ainda mais possibilidades, torna possível que façamos uma reportagem muito melhor. Eu sou muito otimista com relação a isso, estamos vivendo um momento muito inquietante.  Acho que nós todos estamos perdidos – e estar perdido não é ruim, é uma coisa boa. O que vai se viver daqui pra frente é cada vez mais fascinante. Sou encantada com a vida. E conto a vida justamente porque sou encantada por ela.

E por que você escreve? É uma necessidade ou uma escolha?
As duas coisas. Escrevo para viver. Eu não acho que seja possível, para mim, viver sem a palavra escrita. Escrever não é o que eu faço, é o que eu sou. Eu não conseguiria dar conta do mundo sem expressá-lo pela palavra. É uma necessidade nessa medida, de que eu preciso escrever, é uma expressão do mundo, é o que eu sou; e é uma escolha porque eu decido sobre o que escrevo. Mas acho que se não existisse a palavra escrita, eu já teria morrido.
Matéria completa aqui.

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