sábado, 18 de maio de 2013

A fungibilidade das obras e das pessoas

“Conselho ao intelectual: Não deixes que te representem. A fungibilidade das obras e das pessoas e a crença daí derivada de que todos têm de poder fazer tudo revelam-se no seio do estado vigente como grilhões. O ideal igualitário da representatividade é uma fraude, se não for sustentado pelo princípio da revogabilidade e da responsabilidade do rank and file. O mais poderoso é justamente o que menos faz, o que mais se pode encarregar daquele a que se dedica e sua vantagem arrecada. Parece coletivismo e fica-se apenas pela demasiado boa opinião de si mesmo, pela exclusão do trabalho, graças à disposição do trabalho alheio.
Na produção material está solidamente implantada a substituibilidade. A quantificação dos processos laborais diminui tendencialmente a diferença entre o encargo do diretor geral e o do empregado de uma estação de serviço. É uma ideologia miserável pensar que, nas atuais condições, para a administração de um trust se requer mais inteligência, experiência e preparação do que para ler um manômetro. Mas enquanto na produção material há um apego tenaz a esta ideologia, o espírito da que lhe é contrária cai na submissão. Tal é a cada vez mais ruinosa doutrina da universitas litterarum, da igualdade de todos na república das ciências, que não só faz de cada um controlador do outro, mas, além disso, deve capacitá-lo para fazer igualmente bem o que o outro faz. A substituibilidade submete as ideias ao mesmo processo que a troca das coisas. É excluído o incomensurável. Mas como o pensamento tem, antes de mais, de criticar a omnímoda comensurabilidade, derivada da relação de troca, volta-se então, enquanto relação produtiva espiritual, contra a força produtiva.
No plano material, a substituibilidade é o já possível, e a insubstituibilidade é o pretexto que o impede; na teoria, à qual cabe compreender esse quid pro quo, a substituibilidade ajuda o aparelho a prolongar-se ainda até onde reside a sua oposição objetiva. Só a insubstituibilidade poderia contrabalançar a inserção do espírito na área do emprego. A exigência, admitida como evidente, de que toda a realização espiritual se deve deixar dominar por qualquer membro qualificado da organização faz do mais obtuso técnico científico a medida do espírito: onde iria ele buscar a capacidade para a crítica da sua própria tecnificação?
A economia suscita assim a nivelação do que, em seguida, se indigna com o gesto do ‘Agarra, que é ladrão!’. A demanda da individualidade tem de se projetar de forma nova na época da sua liquidação. Quando o indivíduo, como todos os processos individualistas de produção, surge historicamente antiquado e na retaguarda da técnica, chega-lhe de novo, enquanto sentenciado, o momento de dizer a verdade perante o vencedor. Pois só ele conserva, de um modo geralmente distorcido, o vestígio daquilo que concede o seu direito a toda a tecnificação, e de que esta elimina, ao mesmo tempo, a consciência.
Theodore Adorno, in Minima Moralia

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