14.
Saber que será má a obra que se não
fará nunca. Pior, porém, será a que nunca se fizer. Aquela que se
faz, ao menos, fica feita. Será pobre mas existe, como a planta
mesquinha no vaso único da minha vizinha aleijada. Essa planta é a
alegria dela, e também por vezes a minha. O que escrevo, e que
reconheço mau, pode também dar uns momentos de distração de pior
a um ou outro espírito magoado ou triste. Tanto me basta, ou me não
basta, mas serve de alguma maneira, e assim é toda a vida.
Um tédio que inclui a antecipação
só de mais tédio; a pena, já, de amanhã ter pena de ter tido pena
hoje — grandes emaranhamentos sem utilidade nem verdade, grandes
emaranhamentos...
... Onde, encolhido num banco de
espera da estação apeadeiro, o meu desprezo dorme entre o gabão do
meu desalento’...
... O mundo de imagens sonhadas de que
se compõe, por igual, o meu conhecimento e a minha vida...
Em nada me pesa ou em mim dura o
escrúpulo da hora presente. Tenho fome da extensão do tempo, e
quero ser eu sem condições.
Fernando Pessoa, em Livro do Desassossego
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