O
sociólogo Peter Berger escreveu um livrinho divertido e inteligente
que eu gostava de ler com meus alunos quando era professor da
Unicamp: Introdução à sociologia. Um dos seus capítulos
tem um título esquisito: “Como trapacear e se manter ético ao
mesmo tempo”. Disse “esquisito” porque é conhecimento comum
que “trapaça” e “ética” não fazem acordos. Mas o momento
atual da política brasileira está demonstrando que esse não é o
caso. Ao contrário, que é de suma importância juntar ética e
trapaça quando as coisas relativas ao dinheiro e ao poder estão em
jogo. Para esclarecer esse assunto enigmático, vou contar uma
pequena estória: Havia numa cidade dos Estados Unidos uma igreja
batista. Os batistas, como se sabe, são um ramo do cristianismo
muito rigoroso nos seus princípios éticos. Havia na mesma cidade
uma fábrica de cerveja que, para a igreja batista, era a vanguarda
de Satanás. O pastor, representante de Deus, não poupava a fábrica
de cerveja nas suas pregações. Aconteceu, entretanto, que, por
razões pouco esclarecidas, a fábrica de cerveja fez uma doação de
500.000 dólares para a igreja batista. Os membros da igreja foram
unânimes em denunciar aquela quantia como dinheiro do Diabo que não
poderia ser aceito. Passada a exaltação dos primeiros dias,
acalmados os ânimos, os mais ponderados começaram a analisar os
benefícios que aquele dinheiro poderia trazer. Uma pintura nova para
a igreja, um órgão de tubos, jardins mais bonitos, um salão social
para festas. Reuniram-se então os membros da igreja em assembleia e
depois de muita discussão registrou-se a seguinte decisão no livro
de atas: “A Igreja Batista Betel resolve aceitar a oferta de
500.000 dólares feita pela cervejaria na firme convicção de que o
Diabo ficará furioso quando souber que o seu dinheiro vai ser usado
para a glória de Deus”. Quando a ideologia é nobre qualquer meio
é permissível. Se esse acordo entre “ética” e “trapaça”
valeu para a igreja, por que não valerá para os partidos políticos?
Rubem Alves, in Ostra feliz não faz pérola
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