Não
que tenha sido a primeira conversa de homem para homem que tive com
meu filho Bentão, mas acho que, desta última vez, fui ainda menos
homem que ele do que da outra vez. A primeira vez foi na praia e,
vergonhosamente, saí pela tangente, alegando a comissão de erros de
português por parte dele, embora, é claro, ele fosse analfabeto na
ocasião (ainda é, mas agora tem carteira de estudante). Nós
estávamos dentro d’água e ele quis saber se podia me fazer uma
pergunta. Claro que sim, respondi, com minha melhor cara de pai
companheiro, aprendida nos filmes americanos.
— É
uma pergunta difícil — disse ele.
— Qualquer
pergunta para seu pai é difícil, ha-ha. Pode perguntar.
— Você
dá beijo de novela em minha mãe, não dá?
— Eu
o quê? Beijo de novela? Sim, beijo de novela. Bem, acho que sim,
beijo de novela, claro, sim, acho que sim, de vez em quando eu dou
uns beijos de novela nela. Vamos pegar siri?
— E
você sente uma coisa?
— Sente
uma coisa, como? Sente uma coisa? E... Não, é só um beijinho de
novela, todo marido dá beijo de novela na mulher. Olhe ali, pegue
aquele pedaço de pau, hoje está dando siri, vamos lá!
— Você
sente um arrupeio?
— Hein?
Um arrupeio?
— Eu
vi um homem na televisão dando um beijo de novela na mulher e eles
dois gemeram e ele deu um arrupeio. Quando você beija minha mãe,
você geme e tem um arrupeio?
— Um
arrup... Bem... Olha lá o siri, pegue o pau, olha lá o siri!
— Você
sente um arrupeio, assim como o homem da televisão, assim, hrrrrrr?
— A
palavra certa não é arrupeio! Arrupeio está errado, o certo é
arrepio, arrepio, ouviu bem? Você...
— Você
só diz arrupeio.
— Eu...
Sim, eu digo arrupeio porque sou meio tabaréu sergipano, aprendi
isso em Muribeca. Mas você nunca esteve em Muribeca e é no máximo
tabaréu português, portanto tem que dizer arrepio e não arrupeio.
Arrupeio é errado, ouviu bem? Aliás, o senhor já fez o dever de
casa? Eu vou falar com sua professora e mostrar a ela que o senhor só
sabe o B, o C e o H, assim mesmo com o nome de “escadinha”, e
conta um-dois-quatro-nove-oito-dez, o senhor ouviu bem?
— Olha
ali o siri, pai, pegue o pau, olhe o siri!
Mas
não tinha siri nenhum por perto quando eu estava na sala, lendo o
jornal, e minha mulher apareceu na companhia dele, que vinha com uma
cara meio intrigada.
— Pronto
— disse ela. — Converse aí com seu pai.
— Converse
com o seu pai o quê? — disse eu, que ainda não tinha me
recuperado do arrupeio.
— Ele
precisa ter uma conversa de homem para homem com você.
— Conversa
de homem para homem? Ele disse isso?
— Não,
não disse. Eu é que achei que era conversa de homem para homem. Pai
é pai. Bem, com licença, que eu tenho de ir lá dentro tratar o
peixe.
— Tratar
o peixe? Você, tratando peixe? Mentirosa! Você já ameaçou fugir
de casa se tivesse que tratar peixe! Não existe essa conversa de
homem para homem! Volte aqui! Mulher machista! Não me deixe sozinho
aqui! Machista!
— Está
bem, se você quiser eu fico.
— Não,
tudo bem, besteira minha, eu compreendo essas coisas, besteira minha.
Eu posso perfeitamente conversar com meu filho.
— Então
tudo bem, eu vou lá para dentro.
— Está
bem. Espere aí, só um instantinho. O que é que ele quer conversar?
— Ele
quer saber o que é camisinha.
— Hein?
O que é... Pra que é que ele quer saber o que é camisinha? Que
ideia é essa? Volte aqui! Mulher machista, volte aqui! Se você me
deixar sozinho aqui, é o divórcio, entendeu, é o tudo acabado
entre nós hoje de madrugada! Fique aqui! Que cara é essa, por que
este olhar fixo em mim?
— Eu
estou esperando que você dê a explicação.
— Camisinha...
Por que é que você quer saber o que é camisinha, Bentão?
— Eu
vi na televisão. O homem disse que todo mundo deve usar a camisinha
para não ficar doente no hospital. Você usa camisinha?
— Eu...
Mulher!
— Você
disse que podia perfeitamente conversar com seu filho.
— Sim,
claro. Mas você podia ajudar, você bem que podia!
— Você
me dá uma camisinha sua, pai? Se eu não usar a camisinha, eu também
fico doente no hospital?
— Bem,
a camisinha... Mulher, como é que eu faço?
— Se
eu soubesse, eu fazia.
— Bem,
meu filho, a camisinha... Vamos fazer o seguinte, depois eu explico,
está bem? É um pouco complicado, eu vou pensar num jeito de
explicar, está bem?
— Está.
Mas você promete que usa a camisinha para não ficar doente no
hospital? Eu não quero que você fique doente no hospital.
— Prom...
Depois eu explico, depois eu explico, filho, está bem?
— Está.
Essa televisão daqui passa no Rio de Janeiro?
— Mais
ou menos. Quase tudo.
— Então
pode não passar o aviso da camisinha e então eu vou telefonar para
meu avô para ele usar a camisinha para não ficar doente no
hospital.
— Telefonar
para seu avô? Não, não precisa, o aviso passa lá, pode ter
certeza. Eu explico depois, está bem? Depois.
Depois
esse que ainda não chegou. Discuti a questão metodológica com a
mulher. Para explicar a camisinha, tem de explicar tudo, não adianta
enrolar. Como é, vamos comprar uns livrinhos desses em que a
abelhinha voa de florzinha em florzinha, o galo pula em cima da
galinha e o nenenzinho fica na barriguinha da mãezinha? Vamos ler
uns livros de psicologia infantil e pirar de vez? Não, livro de
psicologia infantil, não, jamais. Sabem do que mais? Vai ficar tudo
por isso mesmo, não vou explicar coisa nenhuma.
— Mulher
— disse eu, com sotaque sergipano que emprego nessas situações de
liderança familiar —, já resolvi o que vou fazer. Não vou fazer
é nada, isso é tudo encucação nossa, daqui a pouco ele esquece
isso, não vai ter problema nenhum. A mim nunca ninguém ensinou
nada, sabia? Nunca ninguém ensinou nada, entendeu?
— Eu
sei, querido — disse ela.
João Ubaldo Ribeiro, in O rei da noite
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