Ele
era baixo e magro, andava com um passo leve como se o corpo não o
perturbasse. A moça da portaria da pensão do Catete, em transporte
de enlevo, disse dele: “O maravilhoso poder de exprimir seus
sentimentos pela música!”
Ele
tocava de noite, quando os hóspedes deixavam mais vazio o salão.
Devia ter tocado em tempos idos razoavelmente bem, quanto à técnica.
Quanto aos “seus sentimentos” não podiam se exprimir pela música
senão em duas variantes primárias: ora o pianíssimo, ora o
fortíssimo. Passava de um para outro sem aviso, o que na verdade
exprimia os sentimentos primários da moça da portaria. Quanto aos
seus mesmo, talvez essas duas únicas variações indicassem apenas
uma gama pobre ou monótona de emoções. Quanto ao seu físico,
ainda, seu terno veio por engano para outro quarto, foi como se ele
todo estivesse pendurado pelo cabide – um ombro mais alto que o
outro, ombros que não eram estreitos mas de algum modo discretos ou
tímidos. Não foi difícil adivinhar que o terno não era dele. “Do
estrangeiro?”, perguntaram. “É estrangeiro?”, retrucaram com
uma pergunta. Não era.
Esqueci
de dizer que ele parecia albino. E era míope: daí, talvez,
indiretamente, só poder tocar pianíssimo ou fortíssimo, como se só
no bruto contraste ele visse. Eu o conheci, e foi um homem que quase
se matou. Mas não se matou. Talvez tivesse encontrado um meio-termo
entre o pianíssimo e o fortíssimo. Como a maioria das pessoas.
Clarice Lispector, in Todas as crônicas
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