Cada
dia que passa incorporo mais esta verdade, de que eles não vivem
senão em nós
e
por isso vivem tão pouco; tão intervalado; tão débil.
Fora
de nós é que talvez deixaram de viver, para o que se chama tempo.
E
essa eternidade negativa não nos desola.
Pouco
e mal que eles vivam, dentro de nós, é vida não obstante.
E
já não enfrentamos a morte, de sempre trazê-la conosco.
Mas,
como estão longe, ao mesmo tempo que nossos atuais habitantes
e
nossos hóspedes e nossos tecidos e a circulação nossa!
A
mais tênue forma exterior nos atinge.
O
próximo existe. O pássaro existe.
E
eles também existem, mas que oblíquos! e mesmo sorrindo, que
disfarçados…
Há
que renunciar a toda procura.
Não
os encontraríamos, ao encontrá-los.
Ter
e não ter em nós um vaso sagrado,
um
depósito, uma presença contínua,
esta
é nossa condição, enquanto,
sem
condição, transitamos
e
julgamos amar
e
calamo-nos.
Ou
talvez existamos somente neles, que são omissos, e nossa existência,
apenas
uma forma impura de silêncio, que preferiram.
Carlos Drummond de Andrade, in Claro Enigma
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