quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

O pianista

Ele era baixo e magro, andava com um passo leve como se o corpo não o perturbasse. A moça da portaria da pensão do Catete, em transporte de enlevo, disse dele: “O maravilhoso poder de exprimir seus sentimentos pela música!”
Ele tocava de noite, quando os hóspedes deixavam mais vazio o salão. Devia ter tocado em tempos idos razoavelmente bem, quanto à técnica. Quanto aos “seus sentimentos” não podiam se exprimir pela música senão em duas variantes primárias: ora o pianíssimo, ora o fortíssimo. Passava de um para outro sem aviso, o que na verdade exprimia os sentimentos primários da moça da portaria. Quanto aos seus mesmo, talvez essas duas únicas variações indicassem apenas uma gama pobre ou monótona de emoções. Quanto ao seu físico, ainda, seu terno veio por engano para outro quarto, foi como se ele todo estivesse pendurado pelo cabide – um ombro mais alto que o outro, ombros que não eram estreitos mas de algum modo discretos ou tímidos. Não foi difícil adivinhar que o terno não era dele. “Do estrangeiro?”, perguntaram. “É estrangeiro?”, retrucaram com uma pergunta. Não era.
Esqueci de dizer que ele parecia albino. E era míope: daí, talvez, indiretamente, só poder tocar pianíssimo ou fortíssimo, como se só no bruto contraste ele visse. Eu o conheci, e foi um homem que quase se matou. Mas não se matou. Talvez tivesse encontrado um meio-termo entre o pianíssimo e o fortíssimo. Como a maioria das pessoas.

Clarice Lispector, in Todas as crônicas

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