sábado, 16 de dezembro de 2023

Os Nascimentos | 1523 – Cuzco

Huaina Cápac

Enfrentando o sol que aparece, atira-se na terra e humilha a face.
Recolhe com as mãos os primeiros raios e leva-os à boca e bebe a luz. Depois, ergue-se e fica em pé. Olha fixo o sol, sem pestanejar.
Atrás de Huaina Cápac, suas muitas mulheres aguardam com a cabeça baixa. Esperam também, em silêncio, os muitos príncipes. O Inca está olhando para o sol, olha-o de igual para igual, e um murmúrio de escândalo cresce entre os sacerdotes.
Passaram-se muitos anos desde o dia em que Huaina Cápac, filho do pai resplandecente, subiu ao trono com o título de poderoso e jovem chefe rico de virtudes. Ele estendeu seu império muito além das fronteiras de seus antepassados. Faminto de poder, descobridor, conquistador, Huaina Cápac conduziu seus exércitos da selva amazônica até as alturas de Quito, e de Chaco até a costa do Chile. A golpes de machado e voo de flechas, fez-se dono de novas montanhas e planícies e areais. Não há quem não sonhe com ele nem existe quem não o tema neste reino que é, agora, maior que a Europa. De Huaina Cápac dependem os pastos, a água e as pessoas. Por causa de sua vontade se moveram a cordilheira e as pessoas. Neste império que não conhece a roda, ele mandou construir edifícios, em Quito, com pedras de Cuzco, para que no futuro se entenda sua grandeza e sua palavra seja acreditada pelos homens.
O Inca está olhando fixo para o sol. Não por desafio, como temem os sacerdotes, mas por piedade. Huaina Cápac sente pena do sol, porque sendo o sol seu pai e pai de todos os incas desde o antigamente das idades, não tem direito à fadiga nem ao aborrecimento. O sol jamais descansa, jamais brinca, jamais esquece. Não pode faltar ao dever de cada dia e através do céu percorre, hoje, o caminho de ontem e de amanhã.
Enquanto contempla o sol, Huaina Cápac decide: “Breve, morrerei”.

Eduardo Galeano, in Os Nascimentos

Nenhum comentário:

Postar um comentário