domingo, 3 de dezembro de 2023

O dia em que eu nasci


No dia em que nasci, Edward Bloom estava ouvindo uma partida de futebol num rádio que levava enfiado no bolso da camisa. Estava também aparando a grama e fumando um cigarro. Tinha sido um verão úmido e a grama estava alta, mas naquele dia o sol batia em meu pai e seu quintal com uma intensidade que fazia lembrar um tempo passado em que o sol era mais quente, do jeito que tudo no mundo costumava ser: mais quente ou maior ou melhor ou mais simples do que no presente. Seus ombros estavam vermelhos como uma maçã, mas ele não notou porque estava ouvindo a partida de futebol americano mais importante do ano, entre seu time de escola, Auburn, contra o pior rival, Alabama: um jogo que o Alabama invariavelmente vencia.
Ele pensou brevemente em minha mãe, que estava dentro de casa, examinando a conta de energia elétrica. A casa estava fria como uma geladeira, mas mesmo assim ela suava.
Estava sentada à mesa da cozinha examinando a conta de energia quando me sentiu fazer força, posicionando-me para nascer.
Breve, ela pensou, respirando rapidamente, mas não se levantou, e nem parou de examinar a conta. Pensou apenas nessa única palavra. Breve.
Do lado de fora, enquanto ele aparava a grama, as coisas não pareciam muito boas para Auburn. Como sempre. Era assim todas as vezes: você ia ao jogo achando que naquele ano iam ganhar, que tinha finalmente chegado a vez deles, mas isso nunca acontecia.
A partida estava quase no meio e o Auburn já perdia de dez.
No dia em que nasci, meu pai terminou a frente e começou os fundos com um sentimento de otimismo renovado. No segundo tempo, o Auburn entrou atacando e conseguiu um touchdown em sua primeira posse de bola. Agora que estava perdendo apenas por três, tudo parecia possível.
O Alabama marcou com a mesma rapidez e então, por causa de uma falta, fez um gol de campo.
Minha mãe pôs a conta aberta sobre a mesa e apertou-a com as mãos, como se estivesse tentando alisá-la. Não sabia que todo o trabalho e a perseverança de meu pai iam, dentro de poucos dias, dar bons frutos, e que ela nunca mais teria que se preocupar com a conta de energia elétrica. Naquele momento, o mundo, todo o sistema solar, pareciam orbitar ao redor daquela conta de $42,27. Mas ela precisava manter a casa fresca. Estava carregando todo aquele peso. Era uma mulher magra por natureza, mas estava enorme, comigo dentro dela. E não gostava de calor.
Ela ouviu meu pai no quintal, cortando a grama. Arregalou os olhos: eu estava chegando. Naquele instante. Eu estava chegando.
Auburn recuperava a posição.
O tempo passava. Ela calmamente arrumou as coisas para levar para o hospital. Auburn estava com a bola mas só faltavam alguns segundos. Tempo suficiente para marcar.
No dia em que nasci, meu pai parou de aparar a grama e prestou atenção na voz do locutor no rádio. Ele ficou parado igual a uma estátua no quintal, que estava com metade da grama aparada e metade sem aparar. Sabia que iam perder o jogo.
No dia em que nasci, o mundo se tornou um lugar pequeno e alegre.
Minha mãe gritou, meu pai gritou.
No dia em que nasci, eles ganharam.

Daniel Wallace, in Peixe Grande

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