Faz
meio século que morreu Gutenberg e as tipografias se multiplicam em
toda Europa: editam a Bíblia em letras góticas e em números
góticos as cotizações do ouro e da prata. O monarca devora homens
e os homens cagam moedas de ouro no Jardim das Delícias de
Hieronymus Bosch; e Michelangelo, enquanto pinta e esculpe seus
atléticos santos e profetas, escreve: O sangue de Cristo é vendido
em colheradas. Tudo tem preço: o trono do papa e a coroa dos reis, o
capelo dos cardeais e a mitra dos bispos. Compram-se indulgências,
excomunhões e títulos de nobreza. A Igreja considera pecado
emprestar a juros, mas o Santo Padre hipoteca aos banqueiros as
terras do Vaticano; e nas margens do Reno se oferece ao melhor
pagador a coroa do Santo Império.
Três
candidatos disputam a herança de Carlos Magno. Os príncipes
eleitores juram pela pureza de seus votos e a limpeza de suas mãos e
se pronunciam ao meio-dia, hora do Angelus: vendem a coroa da Europa
ao rei da Espanha, Carlos I, filho do sedutor e da louca e neto dos
Reis Católicos, a troco de oitocentos e cinquenta mil florins que
põem sobre a mesa os banqueiros alemães Függer e Wesler.
Carlos
I se transforma em Carlos V, imperador da Espanha, Alemanha, Áustria,
Nápoles, Sicília, os Países Baixos e o imenso Novo Mundo, defensor
da fé católica e vigário guerreiro de Deus na terra.
Enquanto
isso, os muçulmanos ameaçam as fronteiras e Martinho Lutero prega a
marteladas, na porta de uma igreja de Wittemberg, suas desafiantes
heresias. Um príncipe deve ter a guerra como único objetivo e
pensamento, escreve Maquiavel. Aos dezenove anos, o novo monarca é o
homem mais poderoso da história. De joelhos, beija a espada.
Eduardo Galeano, in Os Nascimentos
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