quarta-feira, 6 de setembro de 2023

1519 – Frankfurt | Carlos V

Faz meio século que morreu Gutenberg e as tipografias se multiplicam em toda Europa: editam a Bíblia em letras góticas e em números góticos as cotizações do ouro e da prata. O monarca devora homens e os homens cagam moedas de ouro no Jardim das Delícias de Hieronymus Bosch; e Michelangelo, enquanto pinta e esculpe seus atléticos santos e profetas, escreve: O sangue de Cristo é vendido em colheradas. Tudo tem preço: o trono do papa e a coroa dos reis, o capelo dos cardeais e a mitra dos bispos. Compram-se indulgências, excomunhões e títulos de nobreza. A Igreja considera pecado emprestar a juros, mas o Santo Padre hipoteca aos banqueiros as terras do Vaticano; e nas margens do Reno se oferece ao melhor pagador a coroa do Santo Império.
Três candidatos disputam a herança de Carlos Magno. Os príncipes eleitores juram pela pureza de seus votos e a limpeza de suas mãos e se pronunciam ao meio-dia, hora do Angelus: vendem a coroa da Europa ao rei da Espanha, Carlos I, filho do sedutor e da louca e neto dos Reis Católicos, a troco de oitocentos e cinquenta mil florins que põem sobre a mesa os banqueiros alemães Függer e Wesler.
Carlos I se transforma em Carlos V, imperador da Espanha, Alemanha, Áustria, Nápoles, Sicília, os Países Baixos e o imenso Novo Mundo, defensor da fé católica e vigário guerreiro de Deus na terra.
Enquanto isso, os muçulmanos ameaçam as fronteiras e Martinho Lutero prega a marteladas, na porta de uma igreja de Wittemberg, suas desafiantes heresias. Um príncipe deve ter a guerra como único objetivo e pensamento, escreve Maquiavel. Aos dezenove anos, o novo monarca é o homem mais poderoso da história. De joelhos, beija a espada.

Eduardo Galeano, in Os Nascimentos

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