domingo, 17 de setembro de 2023

1519 – Acla | Pedrárias

Ruído de mar e de tambores. Caiu a noite, mas há uma lua que ilumina tudo. Ao redor da praça, pendem espigas e peixes secos dos tetos de palha.
Chega Balboa, acorrentado, atadas as mãos nas costas. O desamarram. Balboa fuma o último charuto. Sem dizer palavra, coloca o pescoço no tronco. O verdugo ergue o machado.
De sua casa, Pedro Árias de Ávila olha, furtivo, através das taquaras da parede. Está sentado no ataúde que trouxe da Espanha. Usa o ataúde como poltrona ou mesa e uma vez por ano o cobre de velas, durante o réquiem que ano a ano celebra sua ressurreição. Chamaram-no de Pedrárias o Enterrado, desde que se ergueu deste ataúde, envolto em um sudário, enquanto as monjas cantavam o ofício de defuntos e choravam sem parar as suas parentas. Antes tinha sido chamado de Pedrárias o Galã, por ser invencível nos torneios, nas batalhas e nos amores; e agora, embora ande já perto dos oitenta anos, merece o nome de Furor Dómine. Quando Pedrárias acorda sacudindo a melena branca porque na noite anterior perdeu cem índios nos dados, mais vale fugir do seu olhar.
Desde que pisou estas praias, Pedrárias desconfiou de Balboa. Por ser Balboa seu genro, não o mata sem julgamento prévio. Por aqui não sobram os letrados; de maneira que o juiz serviu também de advogado e promotor. Foi longo o processo.
A cabeça de Balboa rola na areia.
Foi Balboa quem fundou este povoado de Acla, entre as árvores torcidas pelos ventos, e o dia em que Acla nasceu, um pássaro negro lançou-se em rasante, lá de além das nuvens, e arrancou o capacete de aço de Balboa e afastou-se grasnindo.
Aqui estava construindo Balboa, peça por peça, os bergantins que o lançariam a explorar o novo mar que tinha descoberto.
O verdugo o fará. Fundará uma empresa de conquista e Pedrárias será seu sócio. O verdugo, que veio com Colombo na última viagem, será marquês com vinte mil vassalos nos misteriosos reinos do sul. Se chama Francisco Pizarro.

Eduardo Galeano, in Os Nascimentos

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