Ruído
de mar e de tambores. Caiu a noite, mas há uma lua que ilumina tudo.
Ao redor da praça, pendem espigas e peixes secos dos tetos de palha.
Chega
Balboa, acorrentado, atadas as mãos nas costas. O desamarram. Balboa
fuma o último charuto. Sem dizer palavra, coloca o pescoço no
tronco. O verdugo ergue o machado.
De
sua casa, Pedro Árias de Ávila olha, furtivo, através das taquaras
da parede. Está sentado no ataúde que trouxe da Espanha. Usa o
ataúde como poltrona ou mesa e uma vez por ano o cobre de velas,
durante o réquiem que ano a ano celebra sua ressurreição.
Chamaram-no de Pedrárias o Enterrado, desde que se ergueu deste
ataúde, envolto em um sudário, enquanto as monjas cantavam o ofício
de defuntos e choravam sem parar as suas parentas. Antes tinha sido
chamado de Pedrárias o Galã, por ser invencível nos torneios, nas
batalhas e nos amores; e agora, embora ande já perto dos oitenta
anos, merece o nome de Furor Dómine. Quando Pedrárias acorda
sacudindo a melena branca porque na noite anterior perdeu cem índios
nos dados, mais vale fugir do seu olhar.
Desde
que pisou estas praias, Pedrárias desconfiou de Balboa. Por ser
Balboa seu genro, não o mata sem julgamento prévio. Por aqui não
sobram os letrados; de maneira que o juiz serviu também de advogado
e promotor. Foi longo o processo.
A
cabeça de Balboa rola na areia.
Foi
Balboa quem fundou este povoado de Acla, entre as árvores torcidas
pelos ventos, e o dia em que Acla nasceu, um pássaro negro lançou-se
em rasante, lá de além das nuvens, e arrancou o capacete de aço de
Balboa e afastou-se grasnindo.
Aqui
estava construindo Balboa, peça por peça, os bergantins que o
lançariam a explorar o novo mar que tinha descoberto.
O
verdugo o fará. Fundará uma empresa de conquista e Pedrárias será
seu sócio. O verdugo, que veio com Colombo na última viagem, será
marquês com vinte mil vassalos nos misteriosos reinos do sul. Se
chama Francisco Pizarro.
Eduardo Galeano, in Os Nascimentos
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