sábado, 19 de agosto de 2023

Piloto de Guerra | XX


Apesar dos setecentos metros, eu tinha esperança.
Apesar dos blindados estacionados, apesar da chama de Arras, eu tinha esperança. Esperava desesperadamente. Remontava na memória até minha infância para encontrar o sentimento de uma proteção soberana. Não há proteção para os homens. Uma vez homens, deixam-nos ir… Mas quem pode alguma coisa contra o menininho cuja mão a Paula todo-poderosa segura firme? Paula, usei tua sombra como um escudo…
Usei de todos os truques. Quando Dutertre me disse: “Está piorando…”, usei, para manter a esperança, dessa própria ameaça. Estávamos em guerra, era preciso que a guerra se mostrasse. Ela se reduzia, mostrando-se, a alguns fachos de luz. Aí está, pois, esse famoso perigo de morte sobre Arras? “Não me façam rir…”
O condenado fizera do carrasco a imagem de um robô lívido. Apresenta-se um bravo homem qualquer, que sabe espirrar ou mesmo sorrir. O condenado se apega ao sorriso como a um caminho para a libertação… É apenas um caminho fantasma. O carrasco, ainda que espirre, cortará sua cabeça. Mas como recusar a esperança?
Como não me enganaria sobre certa acolhida, já que tudo se fazia íntimo e campestre, que luziam tão delicadamente as ardósias molhadas e as telhas, e nada mudava de um minuto a outro, nem parecia precisar mudar. Pois não passávamos, Dutertre, o artilheiro e eu, de três caminhantes através dos campos, que voltam lentamente, sem precisar abotoar mais o colarinho; verdadeiramente, quase não chovia. Pois no centro das linhas alemãs, nada se revelava que merecesse ser contado, e não havia absolutamente razão para que, mais adiante, a guerra fosse diferente. Pois o inimigo se tinha dispersado e fundido na imensidão dos campos, à razão de um soldado, talvez, por casa, de um soldado, talvez, por árvore, entre os quais um, de tempos em tempos, lembrando-se da guerra, atirava. Tinham-lhe inculcado a ordem: “Atirarás nos aviões”. A ordem se misturava ao devaneio. Ele soltava suas três balas, sem acreditar muito. Cacei patos assim, à noite, sem me importar, bastando ser o passeio um pouco agradável. Eu atirava, falando de outra coisa: quase não os incomodava…
Vemos aqui o que queríamos ver: esse soldado mira em mim, mas sem convicção, e erra. Os outros deixam passar. Os que estão em condições de nos dar rasteiras talvez respirem, neste instante, com prazer, o odor da noite, ou acendam cigarros, ou terminem uma piada — e deixam passar. Outros, nessa vila onde se acantonam, estendem suas marmitas para a sopa. Um trovão desperta e morre. É amigo ou inimigo? Eles não têm tempo de saber, vigiam suas marmitas sendo servidas; deixam passar. E eu tento atravessar, com as mãos nos bolsos, assoviando, o mais naturalmente possível, esse jardim que é proibido aos caminhantes, mas onde cada guarda, contando com o próximo, deixa passar…
Estou tão vulnerável! Minha própria fraqueza é uma armadilha para eles: “Para que me preocupar? Vão me abater um pouco mais adiante…”. É óbvio! “Vá para o inferno…!” Eles empurram o fardo a outrem para não perder a vez na sopa, para não interromper uma piada, ou por simples gosto pela brisa noturna. Abuso assim de sua negligência, tiro minha salvação desse minuto em que a guerra os cansa a todos, todos juntos, como por acaso — e por que não? E espero vagamente que, de homem em homem, de destacamento em destacamento, de vila em vila, eu vá também terminar. Afinal, nós somos apenas um avião passando, à noite… Isso nem mesmo lhes faz levantar a cabeça!
Claro que eu esperava voltar. Mas ao mesmo tempo, eu sabia que aconteceria alguma coisa. A gente está condenado ao castigo, mas a prisão que nos encerra ainda está muda. A gente se agarra a esse silêncio. Cada segundo se parece com o segundo precedente. Não há qualquer razão para aquele que morre transformar o mundo. O trabalho é pesado demais para ele. Cada segundo, um após o outro, salva o silêncio. O silêncio já parece eterno…
Mas o passo daquele que sabemos que virá faz-se ouvir.

Alguma coisa na paisagem acaba de romper-se. Assim, a lenha que parecia apagada, de repente, estala e solta uma profusão de faíscas. Por qual mistério toda essa planície reagiu no mesmo instante? As árvores, quando chega a primavera, soltam seus grãos. Por que de repente a primavera das armas? Por que esse dilúvio luminoso que sobe em nossa direção e se mostra, de imediato, universal?
A primeira sensação que tenho é de ter sido imprudente. Estraguei tudo. Às vezes, quando o equilíbrio é muito precário, basta um piscar de olhos, um gesto! Um alpinista tosse e desencadeia uma avalanche. E agora que a desencadeou, tudo está concluído.
Andamos pesadamente nesse pântano azul já afogado na noite. Mexemos nesse lodo tranquilo e eis que, em nossa direção, ele solta dezenas de milhares de bolhas douradas.
Uma trupe de malabaristas acaba de entrar na dança. Uma trupe de malabaristas dispara contra nós suas dezenas de milhares de projéteis. Estes, por falta de variação angular, parecem-nos, primeiramente, imóveis, mas assim como bolas de gude que a arte do malabarismo não projeta, mas solta, começam lentamente sua ascensão. Vejo lágrimas de luz correndo para mim através de um óleo de silêncio. Desse silêncio que envolve o jogo dos malabaristas.
Cada rajada de metralhadora ou de canhão de tiro rápido debita, às centenas, obuses ou balas fosforescentes que se sucedem como contas de um rosário. Mil rosários elásticos se esticam até nós, rompendo-se, e estouram à nossa altitude.
Com efeito, vistos de través, os projéteis que não nos acertaram mostram, em sua passagem tangencial, uma velocidade vertiginosa. As lágrimas transformam-se em faíscas. E então me descubro afogado numa semeadura de trajetórias que têm cor de galhos de trigo. Eis-me como o centro de um espesso espinheiro de lanças. Eis-me ameaçado por não sei qual vertiginoso trabalho de agulhas. Toda a planície se ligou a mim e tece, à minha volta, uma rede fulgurante de linhas de ouro.
Ah! Quando me inclino para a terra descubro esses andares de bolhas luminosas que sobem com a lentidão de velas de névoa. Descubro esse lento turbilhão de semente: assim voa a casca do trigo que se abate! Mas olho na horizontal, só há feixes de lanças! Tiros? Não! Sou atacado com arma branca! Só vejo espadas de luz! Sinto-me… Não é questão de perigo! Deslumbra-me o luxo em que estou mergulhado!
Ah!
Fui projetado a vinte centímetros do meu assento. Foi como uma pancada de aríete no avião. Ele quebrou-se, pulverizou-se… Nada! Não… Eu sinto que ainda obedece aos comandos. Foi apenas o primeiro golpe de um dilúvio de golpes. No entanto, não observei explosões. A fumaça dos estouros se confunde sem dúvida com o solo escuro: levanto a cabeça e olho.
Este espetáculo é inapelável.

Antoine de Saint-Exupéry, in Piloto de Guerra

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