Apesar
dos setecentos metros, eu tinha esperança.
Apesar
dos blindados estacionados, apesar da chama de Arras, eu tinha
esperança. Esperava desesperadamente. Remontava na memória até
minha infância para encontrar o sentimento de uma proteção
soberana. Não há proteção para os homens. Uma vez homens,
deixam-nos ir… Mas quem pode alguma coisa contra o menininho cuja
mão a Paula todo-poderosa segura firme? Paula, usei tua sombra como
um escudo…
Usei
de todos os truques. Quando Dutertre me disse: “Está piorando…”,
usei, para manter a esperança, dessa própria ameaça. Estávamos em
guerra, era preciso que a guerra se mostrasse. Ela se reduzia,
mostrando-se, a alguns fachos de luz. Aí está, pois, esse famoso
perigo de morte sobre Arras? “Não me façam rir…”
O
condenado fizera do carrasco a imagem de um robô lívido.
Apresenta-se um bravo homem qualquer, que sabe espirrar ou mesmo
sorrir. O condenado se apega ao sorriso como a um caminho para a
libertação… É apenas um caminho fantasma. O carrasco, ainda que
espirre, cortará sua cabeça. Mas como recusar a esperança?
Como
não me enganaria sobre certa acolhida, já que tudo se fazia íntimo
e campestre, que luziam tão delicadamente as ardósias molhadas e as
telhas, e nada mudava de um minuto a outro, nem parecia precisar
mudar. Pois não passávamos, Dutertre, o artilheiro e eu, de três
caminhantes através dos campos, que voltam lentamente, sem precisar
abotoar mais o colarinho; verdadeiramente, quase não chovia. Pois no
centro das linhas alemãs, nada se revelava que merecesse ser
contado, e não havia absolutamente razão para que, mais adiante, a
guerra fosse diferente. Pois o inimigo se tinha dispersado e fundido
na imensidão dos campos, à razão de um soldado, talvez, por casa,
de um soldado, talvez, por árvore, entre os quais um, de tempos em
tempos, lembrando-se da guerra, atirava. Tinham-lhe inculcado a
ordem: “Atirarás nos aviões”. A ordem se misturava ao devaneio.
Ele soltava suas três balas, sem acreditar muito. Cacei patos assim,
à noite, sem me importar, bastando ser o passeio um pouco agradável.
Eu atirava, falando de outra coisa: quase não os incomodava…
Vemos
aqui o que queríamos ver: esse soldado mira em mim, mas sem
convicção, e erra. Os outros deixam passar. Os que estão em
condições de nos dar rasteiras talvez respirem, neste instante, com
prazer, o odor da noite, ou acendam cigarros, ou terminem uma piada —
e deixam passar. Outros, nessa vila onde se acantonam, estendem suas
marmitas para a sopa. Um trovão desperta e morre. É amigo ou
inimigo? Eles não têm tempo de saber, vigiam suas marmitas sendo
servidas; deixam passar. E eu tento atravessar, com as mãos nos
bolsos, assoviando, o mais naturalmente possível, esse jardim que é
proibido aos caminhantes, mas onde cada guarda, contando com o
próximo, deixa passar…
Estou
tão vulnerável! Minha própria fraqueza é uma armadilha para eles:
“Para que me preocupar? Vão me abater um pouco mais adiante…”.
É óbvio! “Vá para o inferno…!” Eles empurram o fardo a
outrem para não perder a vez na sopa, para não interromper uma
piada, ou por simples gosto pela brisa noturna. Abuso assim de sua
negligência, tiro minha salvação desse minuto em que a guerra os
cansa a todos, todos juntos, como por acaso — e por que não? E
espero vagamente que, de homem em homem, de destacamento em
destacamento, de vila em vila, eu vá também terminar. Afinal, nós
somos apenas um avião passando, à noite… Isso nem mesmo lhes faz
levantar a cabeça!
Claro
que eu esperava voltar. Mas ao mesmo tempo, eu sabia que aconteceria
alguma coisa. A gente está condenado ao castigo, mas a prisão que
nos encerra ainda está muda. A gente se agarra a esse silêncio.
Cada segundo se parece com o segundo precedente. Não há qualquer
razão para aquele que morre transformar o mundo. O trabalho é
pesado demais para ele. Cada segundo, um após o outro, salva o
silêncio. O silêncio já parece eterno…
Mas
o passo daquele que sabemos que virá faz-se ouvir.
Alguma
coisa na paisagem acaba de romper-se. Assim, a lenha que parecia
apagada, de repente, estala e solta uma profusão de faíscas. Por
qual mistério toda essa planície reagiu no mesmo instante? As
árvores, quando chega a primavera, soltam seus grãos. Por que de
repente a primavera das armas? Por que esse dilúvio luminoso que
sobe em nossa direção e se mostra, de imediato, universal?
A
primeira sensação que tenho é de ter sido imprudente. Estraguei
tudo. Às vezes, quando o equilíbrio é muito precário, basta um
piscar de olhos, um gesto! Um alpinista tosse e desencadeia uma
avalanche. E agora que a desencadeou, tudo está concluído.
Andamos
pesadamente nesse pântano azul já afogado na noite. Mexemos nesse
lodo tranquilo e eis que, em nossa direção, ele solta dezenas de
milhares de bolhas douradas.
Uma
trupe de malabaristas acaba de entrar na dança. Uma trupe de
malabaristas dispara contra nós suas dezenas de milhares de
projéteis. Estes, por falta de variação angular, parecem-nos,
primeiramente, imóveis, mas assim como bolas de gude que a arte do
malabarismo não projeta, mas solta, começam lentamente sua
ascensão. Vejo lágrimas de luz correndo para mim através de um
óleo de silêncio. Desse silêncio que envolve o jogo dos
malabaristas.
Cada
rajada de metralhadora ou de canhão de tiro rápido debita, às
centenas, obuses ou balas fosforescentes que se sucedem como contas
de um rosário. Mil rosários elásticos se esticam até nós,
rompendo-se, e estouram à nossa altitude.
Com
efeito, vistos de través, os projéteis que não nos acertaram
mostram, em sua passagem tangencial, uma velocidade vertiginosa. As
lágrimas transformam-se em faíscas. E então me descubro afogado
numa semeadura de trajetórias que têm cor de galhos de trigo.
Eis-me como o centro de um espesso espinheiro de lanças. Eis-me
ameaçado por não sei qual vertiginoso trabalho de agulhas. Toda a
planície se ligou a mim e tece, à minha volta, uma rede fulgurante
de linhas de ouro.
Ah!
Quando me inclino para a terra descubro esses andares de bolhas
luminosas que sobem com a lentidão de velas de névoa. Descubro esse
lento turbilhão de semente: assim voa a casca do trigo que se abate!
Mas olho na horizontal, só há feixes de lanças! Tiros? Não! Sou
atacado com arma branca! Só vejo espadas de luz! Sinto-me… Não é
questão de perigo! Deslumbra-me o luxo em que estou mergulhado!
— Ah!
Fui
projetado a vinte centímetros do meu assento. Foi como uma pancada
de aríete no avião. Ele quebrou-se, pulverizou-se… Nada! Não…
Eu sinto que ainda obedece aos comandos. Foi apenas o primeiro golpe
de um dilúvio de golpes. No entanto, não observei explosões. A
fumaça dos estouros se confunde sem dúvida com o solo escuro:
levanto a cabeça e olho.
Este
espetáculo é inapelável.
Antoine de Saint-Exupéry, in Piloto de Guerra
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