Vai
senão quando, estando eu ocupado em preparar e apurar a minha
invenção, recebi em cheio um golpe de ar; adoeci logo, e não me
tratei. Tinha o emplasto no cérebro; trazia comigo a ideia fixa dos
doidos e dos fortes. Via-me, ao longe, ascender do chão das turbas,
e remontar ao céu, como uma águia imortal, e não é diante de tão
excelso espetáculo que um homem pode sentir a dor que o punge. No
outro dia estava pior; tratei-me enfim, mas incompletamente, sem
método, nem cuidado, nem persistência, tal foi a origem do mal que
me trouxe à eternidade. Sabem já que morri numa sexta-feira, dia
aziago, e creio haver provado que foi a minha invenção que me
matou. Há demonstrações menos lúcidas e não menos triunfantes.
Não
era impossível, entretanto, que eu chegasse a galgar o cimo de um
século, e a figurar nas folhas públicas, entre macróbios. Tinha
saúde e robustez. Supunha-se que, em vez de estar lançando os
alicerces de uma invenção farmacêutica, tratava de coligir os
elementos de uma instituição política, ou de uma reforma
religiosa. Vinha a corrente de ar, que vence em eficácia o cálculo
humano, e lá se ia tudo. Um sopro de ar foi portanto o meu grão de
areia de Cromwell. Assim corre a sorte dos homens.
Com
esta reflexão me despedi eu da mulher, não direi mais discreta, mas
com certeza mais formosa entre as contemporâneas suas, a anônima do
primeiro capítulo, a tal, cuja imaginação à semelhança das
cegonhas do Ilisso... Tinha então 54 anos, era uma ruína, uma
imponente ruína. Imagine o leitor que nos amamos, ela e eu, muitos
anos antes e que um dia, já enfermo, vejo-a assomar à porta da
alcova…
Machado de Assis, in Memórias Póstumas de Brás Cubas
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