[...]
Na
manhã seguinte caíram os primeiros flocos de neve, muito finos,
quase imperceptíveis em meio ao vento forte, mas durante a tarde se
intensificaram, girando no ar e entrando em casa, passando pela
esteira de palha pendurada na entrada.
Isaku
estava trabalhando duro, cortando lenha no chão de terra enquanto a
mãe remendava as roupas esfarrapadas das crianças. O pano era feito
de fios tecidos com as fibras internas do tronco de tílias que
cresciam nas montanhas, mas nenhuma havia sido colhida naquele ano.
Todos
os anos, no começo do verão, o pai de Isaku ia para as montanhas
colher tílias. Como naquele ano o pai estava ausente, Isaku estava
sobrecarregado, mas decidiu que iria para a floresta colher troncos
de tília no verão seguinte.
Seu
irmão e suas irmãs estavam sentados juntos, abraçados, perto do
fogo. Ainda tinham um suprimento dos grãos que haviam comprado com o
pagamento da servidão do pai, mas, sem outro alimento para o
inverno, teriam de racionar o estoque para que durasse até a
primavera. As palavras de despedida do pai, “Não deixem as
crianças morrer de fome”, proferidas tão solenemente antes de ele
partir, pesavam no coração de Isaku.
A
neve continuou a cair durante todo o dia seguinte e só parou na
outra manhã, deixando a aldeia coberta por uma camada branca.
Isaku
e os homens levaram os barcos para o mar enquanto sua mãe ia
examinar a linha da água. Ele lançou a linha sobre a beirada do
barco, mas só conseguiu pegar peixes minúsculos, e poucos. A
correnteza havia levado os peixes para longe da costa, e as ondas
violentas deviam ter induzido os polvos e lulas a buscar refúgio na
face do recife voltada para o mar.
Quando
o mar estava calmo, e ocasionalmente mesmo em dias de tempestade,
avistavam-se barcos passando ao largo com as velas meio infladas.
Alguns deles tinham grandes insígnias estampadas nas velas.
O
ano chegou ao fim e um novo ano começou. O povo da aldeia respeitou
os cinco dias de feriado de Ano-Novo. Ficaram em casa, acenderam o
fogo todas as manhãs e à noite, na frente da casa, para afastar os
demônios. O riso era proibido, pois acreditava-se que trazia má
sorte, e mesmo quem falava recebia olhares feios dos outros.
No
sexto dia do ano tudo voltava ao normal, mas uma atmosfera triste
parecia pairar sobre a aldeia. O transporte de arroz tinha terminado,
e apenas alguns poucos barcos eram vistos passando em dias calmos;
nenhum se arriscava a navegar com tempo ruim. Havia pouca esperança
de que O-fune-sama viesse naquele inverno, e o povo da aldeia
não podia fazer nada além de aguardar a chegada da primavera. De
qualquer forma, em noites de tempestade eles continuavam a acender o
fogo sob os caldeirões de sal. Já haviam produzido mais que o
necessário para suprir as necessidades da vila para o ano seguinte,
mas o excedente seria estocado para ser vendido na primavera à
aldeia do outro lado da encosta, e o dinheiro seria usado para
comprar grãos ou implementos de pesca.
Era
uma agonia cuidar dos caldeirões de sal em noites de neve. Isaku
tinha de ir constantemente jogar mais lenha sob os caldeirões. Os
flocos pareciam dançar de forma selvagem, brilhando vermelhos com o
reflexo das chamas. Uma vez, em fevereiro, tiveram uma forte nevasca.
A neve encobriu tudo, e o interior da casa de Isaku ficou
praticamente escuro. Ele e sua mãe limparam a neve do telhado e das
janelas, deixando espaço para a luz do sol passar.
No
meio daquele mês Teru ficou doente, com febre alta. A mãe de Isaku
esquentou água, enchendo a sala com o vapor, e ferveu uma infusão
de ervas medicinais. Mas sua irmãzinha não conseguia engolir, e a
mãe teve de forçar o líquido pela garganta da menina abaixo
soprando com força dentro de sua boca.
Na
manhã do dia seguinte, o corpo de Teru estava frio. Os olhos da mãe
se enchiam de lágrimas enquanto ela acariciava em silêncio o
rostinho de Teru.
Vários
homens e mulheres das casas vizinhas vieram, passando por trás da
mãe de Isaku, que carregava o corpinho de Teru em uma esteira de
palha, subindo a trilha da montanha até o cemitério. Quando o fogo
foi aceso no crematório, a mãe de Isaku se ajoelhou do lado dele,
lutando para não chorar abertamente. Isaku olhou para o mar com
lágrimas deslizando por seu rosto. O pai confiara a ele e à mãe a
vida do irmão e das irmãs menores, e agora ele estava angustiado
porque não tinham conseguido cumprir a promessa. Ele imaginava que
sua mãe estivesse pensando no pai.
O
horizonte parecia pálido e indistinto, à distância. Isaku sentiu,
também, que o inverno estava chegando ao fim.
Akira Yoshimura, in Naufrágios
Nenhum comentário:
Postar um comentário