Era
uma bela sala de projeção. Ao lado havia um grande balcão, com um
garçom. A sala vinha até com um operador. Danny Server não
aparecera.
Havia
sete ou oito pessoas no bar. Eu não conhecia nenhuma. Passei para a
vodca, e Sarah bebia uma coisa roxa ou verde, ou roxo-verde. Jon
preparava o filme com o operador.
Um
cara na ponta do bar me encarava. E continuou encarando.
Finalmente
retribuí o olhar.
– Que
é que você faz? – perguntei.
Ele
ficou calado um instante, tomou um trago, tornou a me olhar:
– Eu
fico corado até os bicos dos sapatos por dizer isso a você, mas...
eu faço filmes.
Depois,
eu iria descobrir que era Wenner Zergog, o famoso cineasta alemão.
Era meio maluco, desequilibrado como dizem, sempre correndo riscos
insanos para a própria vida e a de todo mundo.
– Devia
entrar em alguma coisa que valesse a pena – eu disse.
– Eu
sei – ele respondeu –, mas não sei fazer mais nada.
E
aí chegou Jon.
– Vamos,
já vai começar...
Sarah
e eu o acompanhamos até a sala de projeção. Alguns dos outros no
bar vieram conosco, incluindo Wenner e sua acompanhante. Sentamo-nos
e Jon nos disse:
– Aquele
no bar era Wenner Zergog. Na semana passada ele e a mulher tiveram
uma briga de pistola, esvaziaram as armas um contra o outro, sem
atingir nada...
– Espero
que a pontaria dele nos filmes seja melhor...
– Oh,
é, sim.
Apagaram
as luzes e A Besta que Ri tomou a tela.
Lido
Mamim era um homem grande, em tamanho e ambição, mas seu país era
pobre e pequeno. Com os países grandes, jogava suas cartas à
esquerda e à direita, barganhando e contrabarganhando com ambos os
lados por dinheiro, alimentos, armas. Mas, na verdade, ele queria
dominar o mundo. Era um filho da puta sanguinário, com um
maravilhoso senso de humor. Compreendia que, basicamente, nenhuma
vida valia nada, exceto a dele. Qualquer pessoa sobre a qual pairasse
a mínima suspeita, em seu país, era assassinada e jogada no rio.
Eram tantos os cadáveres boiando no rio que os crocodilos ficaram
empanzinados e não puderam comer mais nada.
Lido
Mamim adorava uma câmera. Pinchot fizera-o reunir o conselho para a
filmagem. Os sequazes sentavam-se diante dele tremendo, enquanto
Mamim fazia perguntas e declarações sobre política. Sorria
continuamente, exibindo enormes dentes amarelos. Quando não estava
matando alguém ou mandando matar alguém, estava trepando. Tinha uma
dúzia ou mais de esposas, e mais filhos do que podia lembrar.
Às
vezes, durante a reunião do conselho, parava de sorrir, seu rosto
tornava-se a Vontade de Deus, ele podia fazer qualquer coisa, e
fazia. Sentia o medo das suas cortes, e deliciava-se com esse medo, e
usava-o.
A
reunião do conselho encerrou-se sem que ninguém fosse assassinado.
Então
ele convocou uma reunião de todos os médicos do país. Reuniu-os no
hospital central, na imensa sala de operação, e todos sentaram-se
em cadeiras no anfiteatro, Mamim ocupando o centro e falando-lhes.
– Vocês
são médicos, mas não são nada, a menos que eu diga que são
alguma coisa. Pensam que sabem algumas coisas, mas isso é uma
ilusão. Formaram-se apenas numa pequena área. Que essa formação
seja útil pro nosso país, e não pra vocês mesmos. Nós vivemos
num mundo no qual só os sobreviventes finais provarão que estão
certos. Eu direi a vocês como usar seus instrumentos cirúrgicos e
suas vidas. Não caiam na tolice de se opor à minha vontade. Não
desejo desperdiçar a educação e habilidade de vocês. Devem
lembrar sempre que sabem apenas o que lhes ensinaram. Eu sei mais do
que o que se ensina. Façam sempre o que eu sugerir. Quero deixar
isto MUITO CLARO. Estão me entendendo?
Silêncio.
– Por
favor – continuou Mamim –, tem alguém aí que queira contradizer
o que acabo de dizer?
Mais
silêncio.
Mamim
era um boneco, um boneco monstruoso, e de certa forma a gente podia
até gostar de seu estilo grosso e terrível – contanto que não
tivesse de ver os assassinatos e torturas na prática.
Em
seguida, para a câmera, Lido Mamim exibiu sua Força Aérea. Só que
não tinha Força Aérea. Ainda não. Mas tinha os aviadores e os
uniformes.
– Esta
– disse – é nossa Força Aérea.
O
primeiro aviador desceu correndo uma longa plataforma de tábuas. Ia
muito rápido. Quando chegava ao fim da pista, saltava no ar e batia
os braços. E aterrissava.
Depois
vinha o aviador seguinte, correndo. Repetição.
O
aviador seguinte.
O
seguinte.
Devia
haver uns 14 ou 15 aviadores. À medida que saltava, cada um dava um
pequeno berro, e em cada rosto viam-se riso e euforia. Era muito
estranho, depois que se pegava o sentido: pois todos riam do ridículo
da coisa, mas todos acreditavam.
Após
a última decolagem e pouso, Mamim voltou-se para a câmera.
– Por
mais tolo que isso possa parecer, é muito importante. O que não
possuímos na realidade, estamos prontos pra ter em espírito. Um dia
teremos nossa Força Aérea. Enquanto isso, não nos emburramos nas
sombras da descrença. Muito obrigado a vocês.
Depois
vinham algumas tomadas das câmaras de tortura. Sem ninguém dentro.
Mas havia excremento. Correntes. Sangue nas paredes.
– Aqui
– disse Lido Mamim – é onde os traidores e mentirosos finalmente
falam a verdade.
A
cena final era de Mamim num imenso jardim, com muitos guarda-costas e
todas as suas esposas e filhos. Estes não riam nem corriam em volta.
Olhavam a câmera em silêncio, como os guarda-costas. Todas as
esposas sorriam, algumas com bebês no colo. Lido Mamim sorria,
exibindo os dentões amarelos. Parecia muito simpático, talvez até
amável.
A
tomada final era do rio de crocodilos gordos. Eles boiavam,
imensamente estufados e lânguidos, rolando um pouco os olhos para os
corpos que passavam. Finis.
Era
um documentário fascinante, e tive prazer em dizer isso a Pinchot.
– É
– ele disse –, eu gosto de homens estranhos. Foi assim que
descobri você.
– Estou
muito honrado – eu disse – por ser comparado com Lido Mamim.
– É
verdade – ele disse, e então saímos e voltamos para a casa dele.
Charles Bukowski, in Hollywood
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