quarta-feira, 8 de março de 2023

Hollywood | 4


Era uma bela sala de projeção. Ao lado havia um grande balcão, com um garçom. A sala vinha até com um operador. Danny Server não aparecera.
Havia sete ou oito pessoas no bar. Eu não conhecia nenhuma. Passei para a vodca, e Sarah bebia uma coisa roxa ou verde, ou roxo-verde. Jon preparava o filme com o operador.
Um cara na ponta do bar me encarava. E continuou encarando.
Finalmente retribuí o olhar.
Que é que você faz? – perguntei.
Ele ficou calado um instante, tomou um trago, tornou a me olhar:
Eu fico corado até os bicos dos sapatos por dizer isso a você, mas... eu faço filmes.
Depois, eu iria descobrir que era Wenner Zergog, o famoso cineasta alemão. Era meio maluco, desequilibrado como dizem, sempre correndo riscos insanos para a própria vida e a de todo mundo.
Devia entrar em alguma coisa que valesse a pena – eu disse.
Eu sei – ele respondeu –, mas não sei fazer mais nada.
E aí chegou Jon.
Vamos, já vai começar...
Sarah e eu o acompanhamos até a sala de projeção. Alguns dos outros no bar vieram conosco, incluindo Wenner e sua acompanhante. Sentamo-nos e Jon nos disse:
Aquele no bar era Wenner Zergog. Na semana passada ele e a mulher tiveram uma briga de pistola, esvaziaram as armas um contra o outro, sem atingir nada...
Espero que a pontaria dele nos filmes seja melhor...
Oh, é, sim.
Apagaram as luzes e A Besta que Ri tomou a tela.
Lido Mamim era um homem grande, em tamanho e ambição, mas seu país era pobre e pequeno. Com os países grandes, jogava suas cartas à esquerda e à direita, barganhando e contrabarganhando com ambos os lados por dinheiro, alimentos, armas. Mas, na verdade, ele queria dominar o mundo. Era um filho da puta sanguinário, com um maravilhoso senso de humor. Compreendia que, basicamente, nenhuma vida valia nada, exceto a dele. Qualquer pessoa sobre a qual pairasse a mínima suspeita, em seu país, era assassinada e jogada no rio. Eram tantos os cadáveres boiando no rio que os crocodilos ficaram empanzinados e não puderam comer mais nada.
Lido Mamim adorava uma câmera. Pinchot fizera-o reunir o conselho para a filmagem. Os sequazes sentavam-se diante dele tremendo, enquanto Mamim fazia perguntas e declarações sobre política. Sorria continuamente, exibindo enormes dentes amarelos. Quando não estava matando alguém ou mandando matar alguém, estava trepando. Tinha uma dúzia ou mais de esposas, e mais filhos do que podia lembrar.
Às vezes, durante a reunião do conselho, parava de sorrir, seu rosto tornava-se a Vontade de Deus, ele podia fazer qualquer coisa, e fazia. Sentia o medo das suas cortes, e deliciava-se com esse medo, e usava-o.
A reunião do conselho encerrou-se sem que ninguém fosse assassinado.
Então ele convocou uma reunião de todos os médicos do país. Reuniu-os no hospital central, na imensa sala de operação, e todos sentaram-se em cadeiras no anfiteatro, Mamim ocupando o centro e falando-lhes.
Vocês são médicos, mas não são nada, a menos que eu diga que são alguma coisa. Pensam que sabem algumas coisas, mas isso é uma ilusão. Formaram-se apenas numa pequena área. Que essa formação seja útil pro nosso país, e não pra vocês mesmos. Nós vivemos num mundo no qual só os sobreviventes finais provarão que estão certos. Eu direi a vocês como usar seus instrumentos cirúrgicos e suas vidas. Não caiam na tolice de se opor à minha vontade. Não desejo desperdiçar a educação e habilidade de vocês. Devem lembrar sempre que sabem apenas o que lhes ensinaram. Eu sei mais do que o que se ensina. Façam sempre o que eu sugerir. Quero deixar isto MUITO CLARO. Estão me entendendo?
Silêncio.
Por favor – continuou Mamim –, tem alguém aí que queira contradizer o que acabo de dizer?
Mais silêncio.
Mamim era um boneco, um boneco monstruoso, e de certa forma a gente podia até gostar de seu estilo grosso e terrível – contanto que não tivesse de ver os assassinatos e torturas na prática.
Em seguida, para a câmera, Lido Mamim exibiu sua Força Aérea. Só que não tinha Força Aérea. Ainda não. Mas tinha os aviadores e os uniformes.
Esta – disse – é nossa Força Aérea.
O primeiro aviador desceu correndo uma longa plataforma de tábuas. Ia muito rápido. Quando chegava ao fim da pista, saltava no ar e batia os braços. E aterrissava.
Depois vinha o aviador seguinte, correndo. Repetição.
O aviador seguinte.
O seguinte.
Devia haver uns 14 ou 15 aviadores. À medida que saltava, cada um dava um pequeno berro, e em cada rosto viam-se riso e euforia. Era muito estranho, depois que se pegava o sentido: pois todos riam do ridículo da coisa, mas todos acreditavam.
Após a última decolagem e pouso, Mamim voltou-se para a câmera.
Por mais tolo que isso possa parecer, é muito importante. O que não possuímos na realidade, estamos prontos pra ter em espírito. Um dia teremos nossa Força Aérea. Enquanto isso, não nos emburramos nas sombras da descrença. Muito obrigado a vocês.
Depois vinham algumas tomadas das câmaras de tortura. Sem ninguém dentro. Mas havia excremento. Correntes. Sangue nas paredes.
Aqui – disse Lido Mamim – é onde os traidores e mentirosos finalmente falam a verdade.
A cena final era de Mamim num imenso jardim, com muitos guarda-costas e todas as suas esposas e filhos. Estes não riam nem corriam em volta. Olhavam a câmera em silêncio, como os guarda-costas. Todas as esposas sorriam, algumas com bebês no colo. Lido Mamim sorria, exibindo os dentões amarelos. Parecia muito simpático, talvez até amável.
A tomada final era do rio de crocodilos gordos. Eles boiavam, imensamente estufados e lânguidos, rolando um pouco os olhos para os corpos que passavam. Finis.
Era um documentário fascinante, e tive prazer em dizer isso a Pinchot.
É – ele disse –, eu gosto de homens estranhos. Foi assim que descobri você.
Estou muito honrado – eu disse – por ser comparado com Lido Mamim.
É verdade – ele disse, e então saímos e voltamos para a casa dele.

Charles Bukowski, in Hollywood

Nenhum comentário:

Postar um comentário