Foi
o caso que, alguns dias depois, indo eu a Botafogo, tropecei num
embrulho, que estava na praia. Não digo bem; houve menos tropeção
que pontapé. Vendo um embrulho, não grande, mas limpo e
corretamente feito, atado com um barbante rijo, uma coisa que parecia
alguma coisa, lembrou-me bater-lhe com o pé, assim por experiência,
e bati, e o embrulho resistiu. Relanceei os olhos em volta de mim; a
praia estava deserta; ao longe uns meninos brincavam, – um pescador
curava as redes ainda mais longe, – ninguém que pudesse ver a
minha ação; inclinei-me, apanhei o embrulho e segui.
Segui,
mas não sem receio. Podia ser uma pulha de rapazes. Tive ideia de
devolver o achado à praia, mas apalpei-o e rejeitei a ideia. Um
pouco adiante, desandei o caminho e guiei para casa.
– Vejamos,
disse eu ao entrar no gabinete.
E
hesitei um instante, creio que por vergonha; assaltou-me outra vez o
receio da pulha. E certo que não havia ali nenhuma testemunha
externa; mas eu tinha dentro de mim mesmo um garoto, que havia de
assobiar, guinchar, grunhir, patear, apupar, cacarejar, fazer o
diabo, se me visse abrir o embrulho e achar dentro uma dúzia de
lenços velhos ou duas dúzias de goiabas verdes. Era tarde; a
curiosidade estava aguçada, como deve estar a do leitor; desfiz o
embrulho, e vi… achei... contei... recontei nada menos de cinco
contos de réis.
Nada
menos. Talvez uns dez mil-réis mais. Cinco contos em boas notas e
dobras, tudo asseadinho e arranjadinho, um achado raro. Embrulhei-as
de novo. Ao jantar pareceu-me que um dos moleques falara a outro com
os olhos. Ter-me-iam espreitado? Interroguei-os discretamente, e
concluí que não. Sobre o jantar, fui outra vez ao gabinete,
examinei o dinheiro, e ri-me dos meus cuidados maternais a respeito
de cinco contos, – eu, que era abastado.
Para
não pensar mais naquilo fui de noite à casa do Lobo Neves, que
instara muito comigo não deixasse de frequentar as recepções da
mulher. Lá encontrei o chefe de polícia; fui-lhe apresentado; ele
lembrou-se logo da carta e da meia dobra que eu lhe remetera alguns
dias antes. Aventou o caso.
Virgília
pareceu saborear o meu procedimento, e cada um dos presentes acertou
de contar uma anedota análoga, que eu ouvi com impaciência de
mulher histérica.
De
noite, no dia seguinte, em toda aquela semana pensei o menos que pude
nos cinco contos, e até confesso que os deixei muito quietinhos na
gaveta da secretária. Gostava de falar de todas as coisas, menos de
dinheiro, e principalmente de dinheiro achado; todavia não era crime
achar dinheiro, era uma felicidade, um bom acaso, era talvez um lance
da Providência. Não podia ser outra coisa. Não se perdem cinco
contos, como se perde um lenço de tabaco. Cinco contos levam-se com
trinta mil sentidos, apalpam-se a miúdo, não se lhes tiram os olhos
de cima, nem as mãos, nem o pensamento, e para se perderem assim
tolamente, numa praia, é necessário que... Crime é que não podia
ser o achado; nem crime, nem desonra, nem nada que embaciasse o
caráter de um homem.
Era
um achado, um acerto feliz, como a sorte grande, como as apostas de
cavalo, como os ganhos de um jogo honesto e até direi que a minha
felicidade era merecida, porque eu não me sentia mau, nem indigno
dos benefícios da Providência.
– Estes
cinco contos, dizia eu comigo, três semanas depois, hei de
empregá-los em alguma ação boa, talvez um dote a alguma menina
pobre, ou outra coisa assim... hei de ver...
Nesse
mesmo dia levei-os ao Banco do Brasil. Lá me receberam com muitas e
delicadas alusões ao caso da meia dobra, cuja notícia andava já
espalhada entre as pessoas do meu conhecimento; respondi enfadado que
a coisa não valia a pena de tamanho estrondo; louvaram-me então a
modéstia – e porque eu me encolerizasse, replicaram-me que era
simplesmente grande.
Machado de Assis, in Memórias Póstumas de Brás Cubas
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