Ao
contrário do que os publicitários querem que você acredite, você
não é aquilo que possui. Você é você, e as coisas são as
coisas; nenhuma alquimia física ou matemática pode alterar esses
limites, mesmo que um anúncio de página inteira na revista ou um
comercial inteligente tente convencê-lo do contrário.
No
entanto, às vezes caímos nas armadilhas da publicidade. Por isso,
precisamos considerar mais uma subcategoria para os objetos que
possuímos: “coisas de aspiração”. São coisas que compramos
para impressionar os outros ou para agradar nosso “eu de
mentirinha” — aquela pessoa, dez quilos mais magra que você, que
viaja pelo mundo, vai a festas badaladas ou toca numa banda de rock,
se é que você me entende.
Pode
ser difícil admitir, mas muitas de nossas posses costumam ser
adquiridas para projetar certa imagem. É o caso dos automóveis, por
exemplo. É perfeitamente possível satisfazer a necessidade de
transporte com um carro simples que nos leve do ponto A ao B. Por que
pagaríamos o dobro (ou mesmo o triplo) do preço por um carro de
“luxo”? Porque os fabricantes de carro pagam muito caro para que
as empresas de publicidade nos convençam de que os carros são
projeções de nós mesmos, de nossa personalidade e de nossa posição
no mundo corporativo ou na hierarquia social.
E
é óbvio que isso não para por aí. A compulsão para que nos
identifiquemos com bens de consumo tem um impacto profundo em nossa
vida — atinge desde a escolha da casa até as coisas que colocamos
dentro dela. Muita gente concorda que uma casa pequena e simples
satisfaz de sobra nossa necessidade de abrigo (ainda mais se
comparada às moradias dos países em desenvolvimento). No entanto, o
marketing do desejo afirma que “precisamos” de uma suíte enorme,
um quarto para cada filho, um banheiro para cada um do casal e uma
cozinha com utensílios de nível profissional; o contrário é sinal
de que não “chegamos lá”. A metragem vira um símbolo de
status, e, naturalmente, são necessários mais sofás, cadeiras,
mesas, bibelôs e outras coisas para equipar uma casa maior.
As
propagandas também nos estimulam para que nos definamos por meio de
nossas roupas — e, de preferência, roupas de marca. O nome do
estilista estampado na etiqueta não torna os tecidos mais quentes,
as bolsas mais duráveis ou as vidas mais glamorosas. Além disso,
tudo o que é tendência costuma sair de moda poucos minutos depois
da compra — deixando o guarda-roupa abarrotado de peças datadas
que torcemos para que um dia voltem à moda. Na verdade, a maioria
das pessoas não precisa ter um guarda-roupa de celebridade, já que
nossas roupas e acessórios nunca serão alvo de comentários ou de
atenção generalizada. Mesmo assim, os publicitários tentam nos
convencer de que vivemos sob os holofotes — e de que devemos,
portanto, nos vestir de acordo.
Não
é fácil ser minimalista num mundo de mídia de massa. Os
profissionais de marketing vivem nos bombardeando com a mensagem de
que o acúmulo material é a medida do sucesso. Eles exploram o fato
de que é muito mais fácil comprar status do que atingir status.
Quantas vezes você ouviu que “quanto mais, melhor” ou “a roupa
faz o homem”? A publicidade quer que acreditemos que mais coisas
significam mais felicidade, quando, na verdade, mais coisas
significam mais dor de cabeça e dívidas. O comércio de todas essas
coisas é certamente vantajoso para alguém… mas não para nós.
Verdade
seja dita: os produtos nunca vão nos transformar em quem não somos.
Maquiagens caras não nos tornam supermodelos, jardins sofisticados
não nos transformam em ativistas ecológicos e câmeras de última
geração não nos fazem ganhar prêmios em concursos de fotografia.
Mesmo assim, nos sentimos compelidos a comprar e a acumular coisas
que contêm promessas: de nos fazer mais felizes, bonitos,
inteligentes, amados, organizados, capazes, melhores pais ou maridos.
Mas
pense assim: se essas coisas ainda não cumpriram suas promessas,
talvez seja hora de se livrar delas.
Da
mesma forma, bens de consumo não substituem a experiência. Não
precisamos de uma garagem cheia de equipamentos de camping, artigos
esportivos ou brinquedos de piscina se o que de fato buscamos é
passar férias agradáveis com a família. Renas infláveis e
montanhas de presentes não tornam um Natal feliz; mas juntar nossos
entes queridos, sim. Acumular pilhas de novelos de lã, livros de
receita e material de artesanato não nos torna tricoteiras
prendadas, chefs requintados ou gênios criativos. As atividades
propriamente ditas — e não os seus materiais — são essenciais
para nosso prazer e desenvolvimento pessoal.
Também
somos compelidos a nos identificar com coisas que pertencem ao nosso
passado, numa tentativa de provar quem fomos ou o que realizamos.
Quantos de nós ainda guardam uniformes escolares, blusões de
moletom, troféus de natação ou anotações da época da faculdade
que jamais serão úteis de novo? Justificamos o ato de guardar essas
coisas como evidência de nossas realizações (como se tivéssemos
de vasculhar as antigas provas de cálculo para provar que passamos
na disciplina). No entanto, esses objetos costumam estar enfiados em
caixas em algum lugar, sem provar nada a ninguém. Se é esse o caso,
pode ser a hora de se libertar dessas relíquias do seu antigo eu.
Ao
examinarmos as coisas com um olhar crítico, pode ser surpreendente
perceber quantas delas celebram nosso passado, representam nossas
esperanças para o futuro ou pertencem a eus imaginários.
Infelizmente, dedicar tanto espaço, tempo e energia a elas nos
impede de viver no presente.
Às
vezes temos receio de que nos livrar de determinados itens
equivaleria a nos livrar de parte de nós mesmos. Não importa se
raramente tocamos violino ou se aquele vestido de festa nunca tenha
sido usado — no momento em que os abandonamos, perdemos a chance de
nos tornar membros de uma orquestra ou socialites. E Deus nos livre
de jogar fora o chapéu de formatura do ensino médio — será como
se nunca tivéssemos conseguido o diploma.
Precisamos
lembrar que nossas memórias, sonhos e ambições não estão
guardados nos objetos, mas sim dentro de nós. Não somos aquilo que
temos; somos o que fazemos, o que pensamos e as pessoas que amamos.
Eliminando resquícios de passatempos que não nos deram prazer, de
empreitadas incompletas e de fantasias não realizadas, abrimos
espaço para novas (e reais) possibilidades. “Coisas de
aspiração” são as bases de uma versão falsa de nossas vidas.
Precisamos nos livrar do acúmulo para termos tempo, energia e espaço
a fim de trazer nosso verdadeiro eu à tona e concretizar todo o
nosso potencial.
Francine Jay, in Menos é mais: Um guia minimalista para organizar e simplificar sua vida
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