quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

Travessia | Milton Nascimento e Fernando Brant, 1967


Em 1967, depois de cinco anos ralando como músico da noite paulista e nos bailes da vida, Milton Nascimento (1942) viu a roda da fortuna girar a seu favor, quando a já popularíssima Elis Regina gravou a sua “Canção do sal” e o encorajou a participar, como intérprete, do II Festival Nacional de Música Popular Brasileira, na TV Excelsior. Milton se classificou em quarto lugar com “Cidade vazia”, de Baden Powell e Lula Freire, mas detestou a experiência de ver colegas se digladiando na disputa e jurou nunca mais participar dos festivais competitivos que empolgavam o país.
Promessa feita e cumprida, certa noite o carioca mais mineiro do Brasil foi surpreendido pelos telefonemas de parabéns de amigos. Para sua surpresa, ele estava entre os selecionados no II Festival Internacional da Canção, da TV Globo, com nada menos que três músicas, inscritas à sua revelia pelo amigo Agostinho dos Santos. Sabendo da decisão do compositor, Agostinho – um dos principais intérpretes brasileiros –, pediu-lhe uma fita com “Morro Velho”, “Travessia” e “Maria, minha fé” para mostrar a seu produtor e inscreveu-as no festival.
O resto é história. “Maria, minha fé”, interpretada por Agostinho dos Santos, caiu na primeira eliminatória, mas as outras duas, ambas na voz privilegiada de Milton, chegaram à finalíssima: “Travessia” ficou com o segundo lugar (atrás de “Margarida”, de Guttemberg Guarabyra) e “Morro Velho”, com o sétimo. De quebra, Milton saiu do Maracanãzinho com o prêmio de melhor intérprete. Aos 24 anos, também chamou a atenção dos convidados internacionais que participavam do festival, como o produtor americano Creed Taylor, com quem assinou um contrato para gravar nos Estados Unidos. Como na canção que o consagrou, soltou a voz nas estradas para não mais parar. Foi a sua travessia do anonimato ao sucesso e ao prestígio.
Travessia” foi a primeira parceria de Milton com o mineiro Fernando Brant (1946-2015), que até então nunca tinha escrito letras. Milton vinha trabalhando numa canção que batizara de “O vendedor de sonhos”, mas, empacado na letra, foi até Belo Horizonte em busca da ajuda do amigo. Só depois de muita insistência, Brant concordou em tentar e acabou também fazendo a sua travessia pessoal para se tornar um dos mais importantes letristas brasileiros.

Nelson Motta, in 101 canções que tocaram o Brasil

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