Foi
em agosto de 1858 que correu na cidade o boato de que havia duas
baleias imensas em Copacabana. Todo mundo se mandou para essa praia
remota, muita gente dormiu lá em barracas, entre fogueiras acesas, e
Pedro II também foi com gente de sua imperial família ver as
baleias. O maior encanto da história é que não havia baleia
nenhuma. Esse imperador saindo de seus paços, viajando em carruagem,
subindo o morro a cavalo para ver as baleias, que eram boato, é uma
coisa tão cândida, é um Brasil tão bobo e tão bom!
Pois
bem. No começo da última guerra havia uns rapazes que se juntavam
no Bar Vermelhinho, para beber umas coisas, ver as moças,
bater-papo. Ah! — como dizia o Eça —, éramos rapazes! E entre
nós havia um poeta que uma tarde chegou com os olhos verdes muito
abertos, atrás dos óculos, falando baixo, portador de uma notícia
extraordinária: a esquadra inglesa estava ancorada na lagoa Rodrigo
de Freitas!
Ah!,
éramos rapazes! Visualizamos num instante aquela beleza, a esquadra
amiga, democrática, evoluindo perante o Jockey Club, abençoada pelo
Cristo do Corcovado entre as montanhas e o mar. Eu me ri e disse:
poeta, que brincadeira, como é que a esquadra ia passar por aquele
canal? Ele respondeu: pois é, isto é que é espantoso!
Em
volta, as moças acreditavam. Em que as moças não acreditam? Elas
não sabem geografia nem navegação, são vagas a respeito de
canais, e se não acreditarem nos poetas, como poderão viver? Mas
houve protestos prosaicos: não era possível! O poeta tornou-se
discreto, falava cada vez mais baixo: está lá. E como as dúvidas
fossem crescendo, grosseiras, ele confidenciou: quem viu foi Dona
Heloísa Alberto Torres!
Ficamos
um instante em silêncio. O nome de uma senhora ilustre, culta, séria
e responsável era colocado no mastro real da capitania da esquadra
do Almirante Nelson pelas mãos do poeta. E o poeta sussurrou: eu vou
para lá. Então as moças também quiseram ir, e como é bom que
rapazes e moças andem juntos, nós partimos todos alegremente —
ah!, éramos rapazes! —, mesmo porque lá havia outro bar, no
Sacopã.
Já
havia o Corte do Cantagalo? Não havia o Corte do Cantagalo?
A
tarde era fresca e bela, não me lembro mais de nosso caminho, lembro
da viagem, as moças rindo. Tudo sobre nossas cabeças de jovens era
pardo, o governo era nazista, a gente lutava entre a cadeia e o medo,
com fome de liberdade — e de repente a esquadra inglesa, tangida
pelo poeta, na lagoa Rodrigo de Freitas! Fomos, meio bebidos, nosso
carro desembocou numa rua, noutra, grande emoção — a lagoa!
Estava
mais bela do que nunca, levemente crespa na brisa da tarde, debaixo
do céu azul de raras nuvens brancas perante as montanhas imensas.
Não
havia navios. Rimos, rimos, rimos, mas o poeta, de súbito, sério,
apontou: olhem lá. Céus! Na distância das águas havia um mastro,
nele uma flâmula que a brisa do Brasil beijava e balançava, antes
te houvessem roto na batalha que servires a um povo de mortalha! O
encantamento durou um instante, e nesse instante caiu o Estado Novo,
morreram Hitler e Mussolini, as prisões se abriram, raiou o sol da
liberdade — mas um desalmado restaurou a negra, assassina, ladravaz
ditadura com quatro palavras: é o Clube Piraquê de mastro novo!
Aquilo é o Clube, não é navio nenhum!
Então
bebemos, o entardecer era lindo na beira da lagoa, as moças ficaram
meigas, eu consolei a todos com a história do imperador sem baleias.
O poeta Vinícius disse: nós somos imperadores sem baleias! Ah!,
éramos rapazes!
Rubem Braga, in A traição das elegantes
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