sexta-feira, 8 de julho de 2022

Nervos de aço | Lupicínio Rodrigues, 1947


Nos anos 1940, dizia-se que os negros e o samba não tinham lugar na história e na cultura do Rio Grande do Sul, mas Lupicínio Rodrigues desmentiu ignorâncias e preconceitos. Consagrando-se como um dos maiores compositores de samba, com “Se acaso você chegasse”, tornou-se um dos grandes mestres do samba-canção, com sua poética do ódio e do rancor nas relações amorosas, em clássicos como “Vingança”, “Cadeira vazia” e “Volta”.
Lançado em 1947, por Francisco Alves, “Nervos de aço”, um torturado relato de uma dilacerante dor amorosa, bastaria para consagrar Lupicínio e seu estilo, que se inspirava em suas próprias histórias de traições e amores desfeitos, em dramas que ouvia em mesas de bar nas noites frias de Porto Alegre.
Vinte e cinco anos depois, “Nervos de aço” ganhou uma nova e brilhante exposição na voz de Paulinho da Viola, com uma interpretação moderna, contida e pungente dos versos doloridos de Lupicínio, batizando o álbum que o sambista carioca lançou em 1972.
Eu não sei se o que trago no peito / É ciúme, é despeito, amizade ou horror / Eu só sei é que quando a vejo / Me dá um desejo de morte ou de dor.”
Nascido em Porto Alegre, Lupicínio (1914-1974) conseguiu viver de música fora do eixo Rio-São Paulo, sem sair de sua cidade. Seu talento foi revelado ainda na adolescência, quando, aos 14 anos, a pedido de um bloco, escreveu seu primeiro samba, “Carnaval”, em 1932, e durante uma passagem de Noel Rosa por Porto Alegre, quando Lupicínio conseguiu lhe mostrar algumas de suas músicas e o Poeta da Vila cravou: “Esse garoto vai longe.”
Lupi, como era chamado desde criança, conseguiu seu primeiro grande sucesso nacional em 1938, com “Se acaso você chegasse” (em parceria com Felisberto Martins), lançado pelo então iniciante Ciro Monteiro. Um ano depois, disposto a fazer carreira, o jovem compositor viajou para a capital federal, onde se tornou conhecido e admirado no circuito musical da cidade. Francisco Alves, o cantor mais popular do Brasil na época, foi um dos que apostaram no talento do gaúcho, gravando, entre outros clássicos, “Nervos de aço”, “Esses moços”, “Quem há de dizer” e “Cadeira vazia”. Em 1951, Linda Batista emplacou mais um grande sucesso de Lupicínio, o samba-canção “Vingança”. E, em 1960, seria a vez de Elza Soares, que estreou nas paradas de sucesso com uma espetacular regravação de “Se acaso você chegasse”.
Lupicínio morreu em agosto de 1974, um mês antes de completar 60 anos. Mas pôde acompanhar a redescoberta de suas canções pela então nova geração da MPB. Já no fim dos anos 1960, com aplausos do poeta concreto Augusto de Campos, alguns de seus sambas foram regravados por Caetano Veloso, Gal Costa e Paulinho da Viola. No século XXI, Lupicínio continua sendo cantado em gravações de Zizi Possi, Arnaldo Antunes, Arrigo Barnabé, Adriana Calcanhotto, Gal Costa e Elza Soares.

Nelson Motta, in 101 canções que tocaram o Brasil

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