Nos
anos 1940, dizia-se que os negros e o samba não tinham lugar na
história e na cultura do Rio Grande do Sul, mas Lupicínio Rodrigues
desmentiu ignorâncias e preconceitos. Consagrando-se como um dos
maiores compositores de samba, com “Se acaso você chegasse”,
tornou-se um dos grandes mestres do samba-canção, com sua poética
do ódio e do rancor nas relações amorosas, em clássicos como
“Vingança”, “Cadeira vazia” e “Volta”.
Lançado
em 1947, por Francisco Alves, “Nervos de aço”, um torturado
relato de uma dilacerante dor amorosa, bastaria para consagrar
Lupicínio e seu estilo, que se inspirava em suas próprias histórias
de traições e amores desfeitos, em dramas que ouvia em mesas de bar
nas noites frias de Porto Alegre.
Vinte
e cinco anos depois, “Nervos de aço” ganhou uma nova e brilhante
exposição na voz de Paulinho da Viola, com uma interpretação
moderna, contida e pungente dos versos doloridos de Lupicínio,
batizando o álbum que o sambista carioca lançou em 1972.
“Eu
não sei se o que trago no peito / É ciúme, é despeito, amizade ou
horror / Eu só sei é que quando a vejo / Me dá um desejo de morte
ou de dor.”
Nascido
em Porto Alegre, Lupicínio (1914-1974) conseguiu viver de música
fora do eixo Rio-São Paulo, sem sair de sua cidade. Seu talento foi
revelado ainda na adolescência, quando, aos 14 anos, a pedido de um
bloco, escreveu seu primeiro samba, “Carnaval”, em 1932, e
durante uma passagem de Noel Rosa por Porto Alegre, quando Lupicínio
conseguiu lhe mostrar algumas de suas músicas e o Poeta da Vila
cravou: “Esse garoto vai longe.”
Lupi,
como era chamado desde criança, conseguiu seu primeiro grande
sucesso nacional em 1938, com “Se acaso você chegasse” (em
parceria com Felisberto Martins), lançado pelo então iniciante Ciro
Monteiro. Um ano depois, disposto a fazer carreira, o jovem
compositor viajou para a capital federal, onde se tornou conhecido e
admirado no circuito musical da cidade. Francisco Alves, o cantor
mais popular do Brasil na época, foi um dos que apostaram no talento
do gaúcho, gravando, entre outros clássicos, “Nervos de aço”,
“Esses moços”, “Quem há de dizer” e “Cadeira vazia”. Em
1951, Linda Batista emplacou mais um grande sucesso de Lupicínio, o
samba-canção “Vingança”. E, em 1960, seria a vez de Elza
Soares, que estreou nas paradas de sucesso com uma espetacular
regravação de “Se acaso você chegasse”.
Lupicínio
morreu em agosto de 1974, um mês antes de completar 60 anos. Mas
pôde acompanhar a redescoberta de suas canções pela então nova
geração da MPB. Já no fim dos anos 1960, com aplausos do poeta
concreto Augusto de Campos, alguns de seus sambas foram regravados
por Caetano Veloso, Gal Costa e Paulinho da Viola. No século XXI,
Lupicínio continua sendo cantado em gravações de Zizi Possi,
Arnaldo Antunes, Arrigo Barnabé, Adriana Calcanhotto, Gal Costa e
Elza Soares.
Nelson Motta, in 101 canções que tocaram o Brasil
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