terça-feira, 5 de julho de 2022

Marina | Dorival Caymmi, 1947


Ao lado de seu compadre Jorge Amado, Dorival Caymmi foi um dos inventores da Bahia no imaginário brasileiro, pioneiro das canções praieiras e do uso de temas, ritmos e expressões das religiões africanas na música popular. Foi também um autêntico carioca, ou copacabanense, e um dos grandes mestres do samba-canção romântico e intimista nas décadas de 1940 e 1950. Caymmi passou boa parte da vida em Copacabana, dividindo-se entre a família – ao lado de Stella Maris, a cantora que abandonou a música para se dedicar a ele e aos três filhos que depois também se tornaram músicos: Nana, Dori e Danilo –, o trabalho e, sobretudo, a boêmia, na efervescente noite de Copacabana, onde as pequenas boates se multiplicavam depois do fim dos cassinos em 1946.
Os sambas-canção que lançou a partir da década de 1940 mostram como o ambiente e a cultura cosmopolita do Rio influenciaram sua obra. Caymmi se tornou um dos maiores mestres do estilo e também teve influência decisiva para o surgimento da bossa nova nos apartamentos e boates de Copacabana e nas areias de Ipanema e Leblon.
Marina” é uma das primeiras canções dessa nova vertente, uma obra-prima em todos os sentidos, um grande clássico da nossa música popular. Em busca da simplicidade direta, é refinada em seu acabamento, fruto da obsessão do compositor em encontrar as palavras certas para cada frase musical. Foi um sucesso instantâneo ao ser lançada, em 1947. Além da gravação de Dick Farney para o selo Continental, um fato raro para o período, outros três 78 rpm foram lançados ao mesmo tempo, com Francisco Alves, Nelson Gonçalves e o próprio Caymmi cantando “Marina”. Mas a que fez mais sucesso foi a de Dick Farney.
Caymmi contou, em entrevista a Paulo Mendes Campos para a Revista da Música Popular, de 1955, a pouco romântica origem de “Marina”. Uma vez, ao sair de casa, seu filho Dorivalzinho (como chamava a Dori) disse-lhe com a cara zangada: “Estou de mal.” “Na rua, essa frase ficou martelando na minha cabeça: ‘Estou de mal, estou de mal, estou de mal…’ Enquanto ia à rádio, comprava umas coisas, andava nas ruas, a melodia e a letra foram se compondo em minha cabeça. No fim do dia, a música estava pronta.”
Ao longo de sua carreira Caymmi gravou várias versões de “Marina”, mas a primeira versão de Dick Farney se tornou a mais influente, como referência de qualidade do samba-canção e antecipando a modernidade da bossa nova. Outros cantores regravaram “Marina”, como a versão iconoclasta de Gilberto Gil (no álbum Realce, em 1979), a belíssima gravação em estilo clássico de Emílio Santiago e a tecnopop do capixaba Silva, de 2015.

Nelson Motta, in 101 canções que tocaram o Brasil

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