Ao
lado de seu compadre Jorge Amado, Dorival Caymmi foi um dos
inventores da Bahia no imaginário brasileiro, pioneiro das canções
praieiras e do uso de temas, ritmos e expressões das religiões
africanas na música popular. Foi também um autêntico carioca, ou
copacabanense, e um dos grandes mestres do samba-canção romântico
e intimista nas décadas de 1940 e 1950. Caymmi passou boa parte da
vida em Copacabana, dividindo-se entre a família – ao lado de
Stella Maris, a cantora que abandonou a música para se dedicar a ele
e aos três filhos que depois também se tornaram músicos: Nana,
Dori e Danilo –, o trabalho e, sobretudo, a boêmia, na
efervescente noite de Copacabana, onde as pequenas boates se
multiplicavam depois do fim dos cassinos em 1946.
Os
sambas-canção que lançou a partir da década de 1940 mostram como
o ambiente e a cultura cosmopolita do Rio influenciaram sua obra.
Caymmi se tornou um dos maiores mestres do estilo e também teve
influência decisiva para o surgimento da bossa nova nos apartamentos
e boates de Copacabana e nas areias de Ipanema e Leblon.
“Marina”
é uma das primeiras canções dessa nova vertente, uma obra-prima em
todos os sentidos, um grande clássico da nossa música popular. Em
busca da simplicidade direta, é refinada em seu acabamento, fruto da
obsessão do compositor em encontrar as palavras certas para cada
frase musical. Foi um sucesso instantâneo ao ser lançada, em 1947.
Além da gravação de Dick Farney para o selo Continental, um fato
raro para o período, outros três 78 rpm foram lançados ao mesmo
tempo, com Francisco Alves, Nelson Gonçalves e o próprio Caymmi
cantando “Marina”. Mas a que fez mais sucesso foi a de Dick
Farney.
Caymmi
contou, em entrevista a Paulo Mendes Campos para a Revista da
Música Popular, de 1955, a pouco romântica origem de “Marina”.
Uma vez, ao sair de casa, seu filho Dorivalzinho (como chamava a
Dori) disse-lhe com a cara zangada: “Estou de mal.” “Na rua,
essa frase ficou martelando na minha cabeça: ‘Estou de mal, estou
de mal, estou de mal…’ Enquanto ia à rádio, comprava umas
coisas, andava nas ruas, a melodia e a letra foram se compondo em
minha cabeça. No fim do dia, a música estava pronta.”
Ao
longo de sua carreira Caymmi gravou várias versões de “Marina”,
mas a primeira versão de Dick Farney se tornou a mais influente,
como referência de qualidade do samba-canção e antecipando a
modernidade da bossa nova. Outros cantores regravaram “Marina”,
como a versão iconoclasta de Gilberto Gil (no álbum Realce,
em 1979), a belíssima gravação em estilo clássico de Emílio
Santiago e a tecnopop do capixaba Silva, de 2015.
Nelson Motta, in 101 canções que tocaram o Brasil
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