O
Pássaro Encantado já estava velho. Em sua vida longa, voara por
todas as partes do mundo. Voava para sentir saudade, porque sabia que
é na saudade que o amor cresce. Mas voltava sempre para contar
estórias para uma Menina que ficara à sua espera.
Agora
estava cansado. Suas asas já não eram as asas da mocidade.
Lembrou-se
de quando era criança. Lembrou-se do seu deslumbramento ao ver o céu
cheio de estrelas. Diziam que era entre as estrelas que moravam os
deuses. Abriu suas asas e voou para chegar à morada deles. Ele
queria chegar aos deuses para pedir-lhes que descessem à terra para
enxugar as lágrimas dos que sofriam. Mas, chegando lá, nada
encontrou, apenas o vazio. Os deuses haviam emigrado, abandonando-nos
órfãos.
Lembrou-se
então dos seus voos em busca dos heróis que haveriam de transformar
o mundo. Mas, quando os conheceu, achou-os pequenos, mesquinhos e
cheios de ódio. Não amavam nem música nem poesia. Só falavam
sobre lanças e espadas.
Lembrou-se
da sua passagem pela casa da ciência, morada dos homens da verdade.
Mas percebeu que ali os homens não tinham asas. Andavam cuidadosos
olhando para o chão, com medo de tropeçar e cair. E os diplomas que
distribuíam eram fetos mortos fechados em tubos de ensaio.
Lembrou-se
então do seu encontro com a poesia e as crianças. Foi aí que
encontrou a alegria. Foi aí que começou a contar estórias para as
crianças. Porque elas são leves, sabem rir e sabem chorar.
Aconteceu,
então, que uma Menina se apaixonou pelo Pássaro e lhe disse que
viveria com ele até o fim da sua vida. O Pássaro também a amou e
disse que viveria com ela até o fim da sua vida.
E,
como em As mil e uma noites, contou-lhe muitas estórias.
Contou-lhe sobre um mercado onde namorados se encontravam e andavam
de mãos dadas. Contou-lhe outra sobre trens que levavam a lugares de
ternura. E estórias sobre gargantas cortadas nas rochas de montanhas
sob a chuva que caía, de pontes cobertas com tristes finais de amor,
de bosques de árvores brancas, de serras tão altas que encostavam
nas estrelas, de geleiras frias de gelos brancos e azuis, de lagos
límpidos onde sereias nadavam nuas, de cachoeiras encantadas onde
moravam elfos e gnomos, de lobos e falcões que se amavam sem poder
se tocar, de uma pedra encantada à beira da cascata onde os
namorados se amavam.
A
Menina se sentia iluminada pelo canto do Pássaro e lhe cantarolava,
sorridente: “You are my sunshine...”. Sim, o Pássaro
Encantado iluminava o rosto da Menina como o sol. E o rosto da Menina
iluminava o rosto do Pássaro como a lua.
E
assim foi, por muito tempo. O Pássaro voava. A Menina sentia
saudades. Ele voltava e eles se amavam.
Aconteceu,
entretanto, que ao voltar de uma viagem (o Pássaro lhe trouxera um
presente de amor) ele notou que algo acontecera com a Menina. Ela o
recebeu com o rosto sério e lhe disse:
— Alguma
coisa aconteceu dentro de mim. Meu coração mudou. Preciso partir
porque suas asas duras não podem me levar aos lugares suaves onde
quero estar...
Foi
só então que o Pássaro notou que levíssimas asas de beija-flor
haviam crescido nas costas da Menina. Ela se preparava para partir.
A
Menina partiu. O Pássaro ficou.
Ele
sentiu então um grande cansaço. Quando o amor parte, o cansaço
vem. Olhou para a Montanha Encantada que se erguia longe, no
horizonte. Ali crescia a árvore do fruto mágico vermelho que
incendiava aqueles que o comiam. Era o fruto do amor. Amor incendeia.
Diziam
que a Fênix o comia para incendiar-se, transformar-se em cinzas,
para renascer cem anos depois.
Sentiu
que a Montanha Encantada o chamava. Abriu então as suas asas e voou
sem parar e sem se cansar, até que chegou. O fruto mágico, vermelho
como fogo, pendia de um galho.
Tudo
correu mansamente. O Pássaro comeu o fruto vermelho do amor e o seu
corpo se incendiou. Suas penas se desprenderam do corpo e voaram para
longe, levadas pelo vento. Em cada uma delas, estava escrita uma das
estórias que ele contara para a Menina. E elas voaram por todo o
mundo.
Lembra-se
do filme Forrest Gump? Ao final uma pequena pluma flutuava no
ar. Nela estava escrita a estória que você acabou de ler…
Rubem Alves, in Cantos do Pássaro Encantado
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