No
Filamento 622 C19 Beijing, ela, desconfortável em suas vestes de
seda (mas canalizando Blue), inicia um debate sobre a construção de
um canal que vira um debate sobre a moral pública, que incita um
burocrata de princípios, incorruptível, chamado Lin, a aceitar um
desafio Imperial. Se Lin acabar com os traficantes de drogas
estrangeiros em Guangzhou, terá financiamento para seu projeto de
infraestrutura. Quando Lin chega a Guangzhou e tenta acabar com o
tráfico de drogas, uma guerra começa, e Red foge.
Na
Axum do século XIV, islamizada e forte no Filamento 3329, Red,
disfarçada, apunhala um homem que está prestes a apunhalar outro
homem a caminho de casa eletrizado de café espresso, açúcar e
matemática. O homem que Red apunhala morre. O matemático acorda no
outro dia e inventa uma forma de pensamento que, em outro filamento,
muito tempo depois, será chamada de geometria hiperbólica. Red já
se foi.
No
século IX, em al-Andaluz, ela serve o chá certo no momento certo.
Na cidade de diamante de Zanj, ela estrangula um homem com uma corda
de seda. Ela semeia o Filamento 9 Bacia Amazônica com versões
inofensivas de superinsetos europeus dez séculos antes do primeiro
contato, e quando os conquistadores chegam, precisam encarar milhões
da população local, fortes, comunidades prósperas que não vão
perecer pelo mero contato com o mundo do outro lado das ondas. Ela
mata de novo e de novo, com frequência para salvar, mas não sempre.
E
ela presta muita atenção.
Uma
sombra a persegue. Ela não tem provas, mas sabe, como ossos sabem
sob qual pressão se quebram.
A
Comandante deve suspeitar. Uma queda em sua eficiência apontaria que
ela foi comprometida. Então Red se esforça em suas tarefas: pega
missões mais arriscadas do que a Comandante solicitaria, obtém
belos sucessos, brutais. De novo e de novo, vazia, ela vence.
Ela
se move fio acima e abaixo; ela trança e destrança o cabelo da
história.
Red
raramente adormece, mas quando dorme, ela deita imóvel, olhos
fechados no escuro, e se deixa ver lápis-lazúlis, sentir o gosto de
pétalas de íris e gelo, ouvir o canto de um gaio-azul. Ela
coleciona azuis e os guarda.
Quando
tem certeza de que ninguém está olhando, relê as cartas que
entalhou em si mesma.
Toda
essa correria e assassinatos mal passam o tempo. Ela espera e espera.
Pela guilhotina: está encurralada, a pessoa por quem espera deu à
Comandante a carta que ela deixou para trás, e a Comandante está só
brincando com ela agora, deixando Red se acabar de trabalhar até que
o Oráculo do Caos indique que ela tem mais valor destruída.
Querida
Cochonilha…
Ou:
Blue (ela se deixa pensar nesse nome uma vez a cada mês de duas
luas) leu sua carta e se retraiu. Red escreveu rápido demais. Sua
caneta tinha um coração dentro, e a ponta era uma ferida em uma
veia. Ela manchou a página consigo mesma. Às vezes esquece o que
escreveu, salvo que era verdade, e que escrever doeu. Mas asas de
borboleta se quebram quando tocadas. Red sabe das próprias fraquezas
como ninguém. Ela aperta demais, quebra o que deveria abraçar,
rasga tudo que leva aos dentes.
Ela
sonha com uma borboleta morpho com asas abertas do tamanho do mundo.
Ela
esgana, torce, constrói. Ela trabalha.
Ela
observa os pássaros.
Há
tantos malditos pássaros. Nunca reparou neles antes; os
conhecimentos sobre eles (de quem é esse canto, qual é o macho e
qual é a fêmea, qual é o nome do pato com cabeça esmeralda) estão
todos armazenados no índice, mas quando precisou consultá-los? Ela
planejava usar um dia; ela planeja usar tudo um dia.
Mas
agora aprende os nomes em livros. Pega alguns do índice para poupar
tempo e porque livros são pesados, mas não deixa o conhecimento na
nuvem. Ela repete os nomes para si mesma; grava padrões em seus
olhos.
Ela
queima três astronautas em suas cabines em uma plataforma de
lançamento. Toda causa requer sacrifícios. O fedor de carne de
porco chamuscada e borracha queimada se impregna em seus pulmões, e
ela foge fio acima, e não deixa que ninguém a veja chorar. Red
desmorona na margem do rio Ohio, se inclina e vomita em um arbusto,
rasteja para longe e chora pela borracha e pelos gritos. Ela tira a
roupa. Entra na água até que cubra sua cabeça. Um bando de gansos
canadenses surge ao norte e pinta o céu de verde-escuro com o chiar
de suas asas.
Ela
para o ar borbulhando de sua boca.
Os
gansos se acomodam no rio. Suas patas batem na água. Eles ficam por
meia hora e levantam voo em um trovão de penas.
Ela
emerge.
Um
ganso espera na costa, por ela.
Red
se ajoelha.
Ele
deita a cabeça em seu ombro.
Depois
vai embora, e duas penas ficam.
Red
as aperta por um longo tempo antes de ler.
Mais
tarde, mais ao sul, um corujão-orelhudo pega o ganso, e a
rastreadora, chorando, come seu coração.
Quando
Red entra na clareira, restam somente pegadas e o ganso despedaçado.
Amal El-Mohtar e Max Gladstone, in É assim que se perde a guerra do tempo
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