sexta-feira, 4 de fevereiro de 2022

Habitamos uma memória

Nós vivemos num lugar, como pode ser a aldeia em que nasci, mas no fundo habitamos uma memória. Portanto, inclusive quando eu estava em Lisboa, antes de vir para cá [Lanzarote], Lisboa já não era a minha cidade. A cidade onde eu vivia era outra, era a cidade da memória, eu estava vivendo em outra cidade que não era mais a minha. Era minha cidade porque estava vivendo lá, mas a imagem da cidade, a relação com uma cidade é algo que tem a ver, sobretudo, com a memória que dela tens. Tu mudas, o lugar muda e parece que, logicamente, a imagem que tens deveria ir mudando porque tu mudaste e porque tens uma relação mais ou menos pacífica com as mudanças que vão ocorrendo, mas te dás conta, se pensas nisso, de que manténs uma imagem, como uma foto, que ficou dentro de ti, e que todas as imagens que vêm depois não conseguem apagar esse tempo, que pode ser o da tua infância, o da tua adolescência, ou pode ser o da tua mãe.

José Saramago, in As palavras de Saramago

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