sexta-feira, 7 de janeiro de 2022

Uma saudação materna

O jovem Olieg ficou sem pai nem mãe quando a mãe morreu. Só sobraram uma irmã e o pai, que, apesar de vivo, depois se descobriu não ser o pai de Olieg. O pai dele era um homem com quem a mãe saía quando já era casada. Isso foi descoberto por Olieg quando ele começou a remexer nos papéis da mãe morta, querendo saber um pouco mais sobre ela. Ali ele encontrou um documento, precisamente uma carta, na qual um homem desconhecido escrevia que ele tinha família e não tinha direito de abandonar os dois filhos por uma criança que não se sabia nem de quem era. Na carta havia uma data. Então, pouco tempo antes do parto a mãe queria largar o marido e casar com outra pessoa, ou seja, tudo havia acontecido como a irmã mais velha de Olieg havia insinuado numa conversa com ele, insinuou para se vingar e com raiva.
Ao descobrir essa carta, o jovem começou a remexer nos papéis e achou um pacote preto com fotografias nas quais a mãe era retratada em vários estágios de nudez, inclusive totalmente nua. Eram fotos posadas, como numa encenação, até quando estava nua a mãe usava uma longa echarpe, e tudo isso foi um grande choque para o jovem. Ele tinha escutado dos parentes que na juventude a mãe havia sido famosa pela beleza, mas nas fotos já era uma mulher de uns trinta e cinco anos, esbelta mas não especialmente bonita, só bem conservada.
Depois desse golpe, o jovem — ele tinha dezesseis anos — abandonou a escola, abandonou tudo e, nos dois anos que se passaram, até entrar no exército, não fez nada, não escutou ninguém, comia o que havia na geladeira, saía quando o pai e a irmã voltavam para casa, chegava quando eles estavam dormindo. Ele teve um esgotamento mental e físico, e o pai, com sua autoridade, conseguiu marcar uma perícia com uma junta de especialistas, médicos do trabalho, para que ele conseguisse uma pensão por esquizofrenia, mas no último minuto, pouco antes da reunião, o pai morreu à noite na sua cama, e tudo degringolou. A irmã rapidamente mudou para um apartamento próprio, e deixou Olieg sozinho no quarto.
Ele logo foi convocado para o exército.

No exército, Olieg se envolveu em um incidente: ele e outros soldados foram postos numa trilha nas montanhas, numa passagem pela qual devia passar um preso foragido. Esse preso ficou em liberdade por quase um mês, conseguira matar cinco pessoas no seu caminho, entre as quais uma menina, e estava se aproximando da única passagem da montanha para a Terra Grande, ou seja, a parte europeia da Rússia. Segundo todas as informações, o preso não devia aparecer logo, mas de antemão armaram uma emboscada na trilha, três dias antes, não se sabia que tipo de transporte o fugitivo usaria. A emboscada era composta por Olieg, um sargento e mais três soldados, eles estavam atrás de uma grande pedra na qual puseram as submetralhadoras. Eles se alternavam.
Justo no turno de Olieg surgiu na trilha o homem parecido com a fotografia que haviam mostrado. Olieg não resistiu e atirou nele, mas depois descobriu que era outra pessoa: um colono livre, que já havia cumprido a pena e estava abrindo caminho, também ilegalmente, é verdade, para ir para casa na Rússia. O verdadeiro criminoso foi capturado numa passagem vizinha.
Foram bons com Olieg, declararam insanidade temporária, meteram-no num hospital e depois o dispensaram de vez do exército como inapto para o serviço militar, e ele ainda se livrou barato, porque a mulher do colono livre, dizem, ficava procurando aquele soldado anormal que tinha matado o marido dela, que só ultrapassou um pouquinho o limite de seu povoado, alguns passos — e a passagem atravessava o limite administrativo do distrito.

Olieg voltou para casa. Já estava quase totalmente careca, os dentes haviam caído um após o outro, não havia o que comer, não havia o que fazer, e além do mais, como iria trabalhar, sem nenhuma formação? Mas então a irmã mais velha apareceu de repente na vida dele e encarregou-se de tudo, pôs Olieg na escola técnica, arrumou o quarto, trouxe produtos e dinheiro, apesar de não ser totalmente irmã de sangue e nunca antes ter sentido amor por ele.
Uma noite, quando ela se preparava para sair, falou de passagem:
Não acredite no que falei para você naquela época sobre a nossa mãe, isso era o que o nosso pai suspeitava, ele era uma pessoa difícil e deixava qualquer um louco.
E saiu.
Depois que a irmã foi embora, Olieg abriu a mala, começou a revolver os papéis entre os quais estava a carta, mas só encontrou um envelope, que continha uma fotografia do enterro da mãe. No mesmo pacote preto em que Olieg esperava ver as fotografias da mãe tirando a roupa havia apenas um papelzinho preto, muito velho e gasto, e quando Olieg começou a puxá-lo, ele se transformou em pó ali mesmo.
Olieg começou a examinar os papéis e em todo lugar lia cartas da mãe para o pai nas quais se falava de amor, de fidelidade, de Olieg e de como ele se parecia com o pai. Olieg passou a noite toda chorando, as lágrimas corriam dos olhos involuntariamente, e na manhã seguinte esperou a irmã para lhe contar que ele havia enlouquecido aos dezesseis anos e visto algo que não existia, e por isso até havia matado uma pessoa que não parecia de forma alguma com a que ele deveria ter identificado.
Mas ele não chegou a encontrar a irmã, pelo visto ela havia se esquecido dele, e ele também logo se esqueceu dela, estava ocupado com a vida. Ele terminou a escola técnica, depois a faculdade, se casou, teve filhos.
E o que era engraçado é que tanto ele quanto a esposa tinham olhos pretos e cabelos escuros, mas os dois filhos saíram louros e de olhos azuis — iguaizinhos aos da mãe morta, a avó deles.
Uma vez a esposa de repente propôs que fossem ver o túmulo da mãe de Olieg. Eles demoraram para encontrar o túmulo, estava muito escuro no velho cemitério, postaram-se na frente da lápide, e no túmulo da mãe de repente descobriram uma segunda lápide, um pouco menor.
Deve ser meu pai — disse Olieg, que não havia ido ao enterro do pai.
Não, leia, é a sua irmã — respondeu a esposa.
Horrorizado por ter esquecido a irmã daquele jeito, ele se inclinou sobre a laje e leu a inscrição. Era de fato sua irmã.
Só confundiram a data da morte — ele disse —, minha irmã vinha me ver bem depois dessa data de morte, quando voltei do exército. Eu te contei, ela me pôs de pé, ela me trouxe de volta à vida. Eu era jovem e ficava louco por umas besteiras.
Isso não acontece, eles não se enganam com as datas — respondeu a esposa. — Foi você que se confundiu. Em que ano você voltou do exército?
E eles começaram a brigar, ao pé do túmulo abandonado e coberto de mato, e a erva daninha, muito alta por causa do verão, ficou tocando seus joelhos até que eles se abaixaram e começaram a limpá-la.

Liudmila Petruchévskaia, in Era uma vez uma mulher que tentou matar o bebê da vizinha: Histórias e contos de fadas assustadores

Nenhum comentário:

Postar um comentário