Sexta-feira, 19h40, fila do supermercado.
Observo os carrinhos alheios, como me é peculiar. Hábito péssimo
sob a ótica da etiqueta, mas fantástico do prisma sociológico que
não tenho. Enfim, seja como for, olho sem constrangimento.
E a conclusão à qual chego semanalmente
é que todo carrinho de supermercado tem muito mais a ver com amor do
que com o que falta na despensa.
O amor generoso transportado no carrinho
que tem cinco quilos de arroz, doze litros de leite integral que
acabam logo, uma pilha de bandejas de carne, um saco de laranja para
suco – em vez dos que já vêm nas caixinhas de papelão – e
danoninhos incontáveis. Quiçá dois Kinder Ovos.
O amor-próprio passeando no carrinho com
deliciosas porções individuais de coisa boa, regadas com uma
garrafa de vinho chileno, salada pré-lavada, um xampu neutro e uma
caixinha de lichias.
O amor-próprio obsessivo-compulsivo no
carrinho com proteína, proteína, proteína e batata-doce.
A total falta de amor-próprio no
carrinho com salgadinhos de isopor, refrigerantes individuais tamanho
família, álcool sem amigos e açúcar sem pretexto.
O amor aos sábados de sol, no luminoso
carrinho com uma picanha, trinta latas de cerveja, queijo coalho, sal
grosso, carvão e gelo.
O amor conjugal festivo no invejável
carrinho com queijo de preço injusto, frios diversos, espumante com
pressa para gelar e barra de chocolate que vai derreter entre os
dedos futuramente lambidos.
O amor à conta bancária nos carrinhos
com “leve 4, pague 3”, marcas genéricas e um belo tanto de
coisas não desejadas mas impostas por irresistíveis ofertas.
O amor ao trabalho que se apressa no
carrinho com barras de cereal inquilinas de gaveta, congelados da
madrugada, iogurtes de beber que vão vazar na bolsa e qualquer
garrafa de teor alcoólico superior a 40% para os dias em que as
escolhas forem questionadas.
Quatro rodas que transportam verdades
evidentes que muitas vezes não são vistas nem ditas, verdades
espalhadas entre armários de madeira, prateleiras refrigeradas e os
submundos do freezer.
Ruth Manus, in Pega lá uma chave de fenda: e outras divagações sobre o amor
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